É engraçado como a gente envelhece.
Agora mesmo estava ouvindo um forró com uma letra que seria considerada por mim "inferior" há uns dez anos atrás. A moça cantava
fique com ela/morra com ela/ que essa gostosa aqui você não pega mais
nunca mais eu vou chorar/ nunca mais eu vou sofrer/ nunca mais você vai ver/ eu com saudade de você
Achei divertida, e o ritmo me animou a lavar os pratos. Não consigo mais achar essa coisa de música superior ou inferior. Essa é uma ideia que foi inventada para colocar níveis de gradação nos gostos das pessoas, como se grupos "dominados" ouvissem coisas ruins e grupos "dominantes" fossem os detentores do bom gosto. Quando Caetano Veloso canta uma música de Peninha, todo mundo canta junto, quando Maria Bethânia canta "É o amor", aí pode. Mas acho que estão dizendo essa coisa para esse tal grupo dominante, que música é algo não assim tão explicadinho, por isso é que gravam música de gosto "popular", por que são também música. O que eu acho que seria muito legal é primeiro ouvir a música, para depois descobrir coisas ou falar sobre elas. E também tentar compreender por que é que determinadas pessoas ouvem só um gênero musical e não outro, por que que a gente não pode ouvir um forró e ouvir um samba, depois um blues, depois um rap. Fiz uma vez um teste bobo e passei 03 dias ouvindo músicas de um grupo de "pagode romântico" Sorriso Maroto. Não aguentei mais do que isso, e enjoei de verdade, além de achar que estava ficando meio deprimida. Não funciona para mim, mas não quer dizer que nunca mais tenha ouvido ou não cantarole se estiver passando na rua e ela tocar. Só não é algo que me agrada profundamente, mas acho que tem mais a ver com a homogenização que é feita pela indústria da música do que com o grupo em si. E contra isso fica mais difícil de lutar.
E claro que não gosto do estupro que a música fonográfica faz com os gêneros musicais. Mas não posso dizer que tudo é ruim, jogar tudo num caldeirão só. Até por que muita coisa que conheço chegou até mim através dessa mesma indústria fonográfica que estupra e mata muita coisa interessante, que chama de axé music coisas que Luiz Caldas nunca chamaria de música, a bem dizer. Quer ver? Uma música, essa semana, me tomou os sentidos. Eu a procurei na voz de Márcia Freire, era quem cantava no meu tempo, uma música que lembra muito minha adolescência, por que era uma coisa que passava no rádio. Ela diz
chora/ mas chora baixinho/ no meu ouvidinho/ pra ninguém ouvir
grita/ mas fica calado/ igual ao pecado/ quer quer resistir
pois eu sou de cor/ você me amou/
Pode ser simples, boba, sem tanta coisa, mas para mim é bonita, por que acessa tempos e lembranças que estavam adormecidas, e eu senti sensação boa, lembrei de quando eu voltava da escola e no ônibus tinha alguém ouvindo no radinho essa música (alguns ônibus tinham som e eu ouvia ali também), meio dia e sol a pino, eu olhando o mar e indo pra casa, não sei dizer mais das coisas todas, mas a sensação era gostosa, e quando eu ouvi essa música, tudo isso voltou. E não vai ser outra música, vai ser sempre essa que vai me fazer sentir um pouquinho aquela brisa que vinha do mar, meio dia.
O lance do funk carioca é bem isso. Ele começa como uma música de protesto (e na verdade, continua), mas o que "vende" mais são os grupos musicais que abordam temas sexuais e "chocam" com as letras, e acaba tudo indo num bolo só, música chula feita por pobre e preto. Não ouço funk carioca com regularidade, nem sou uma dessas patricinhas que em casa fingem não ouvir essas músicas mas quando Tati se apresenta em casas de show aqui em São Paulo são as primeiras da fila e descem até o chão com a música da moça. Só acho hipocrisia demais rotular o funk ou qualquer outro gênero musical como "inferior".
E para aproveitar, escrevo o que ouço agora. Música de Ederaldo Gentil:
o ouro afunda no mar/ madeira fica por cima/ ostra nasce do lodo/ gerando pérolas finas
Aí lembro de Racionais, Nego Drama:
de onde vem os diamante/ da lama
Morô? Então mora na filosofia, fi.
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