Você que me lê, me ajuda a nascer.

quinta-feira, janeiro 27, 2022

O avesso da pele, Jeferson Tenório.


Os livros sempre se antecipando uns aos outros. Se colando nas caronas das conversas, bagunçando minha lista. De repente compro um novo porque preciso ganhar frete grátis na compra de um cortador de grama ou de uma balança digital e então ele chega e brilha na minha cara, me apresenta uma frase de saída que me pega e aí eu, que nunca fui fiel a nada, a não ser aos meus desejos, pego e passo o livro na frente.
O livro passa na frente, não Maria.

Foi assim com esse. Quando vi, 50 páginas tinha ido embora e eu há me sentia amiga íntima de Pedro e solidária à Martha, com raiva e com amor de Henrique. Começa assim:

Às vezes você fazia um pensamento e morava nele. Afastava-se. Construía uma casa assim. Longínqua. Dentro de si. Era esse o seu modo de lidar com as coisas. Hoje, prefiro pensar que você partiu para regressar a mim (p. 13). 

Tenório escreve coisas que eu já disse ou pensei e aí leio e me sinto descoberta. Olho para um lado e para o outro, não, não tem ninguém no quarto.

Mas a gente nasce porque tem que nascer (p. 39). 
Na verdade, na infância quase nunca há o que fazer (p. 41).                                                                  

O personagem Pedro falando de seu pai e sua mãe me diz coisas que me fazem emocionar.

A verdade é que vocês não se amavam o suficiente para suportarem os seus fantasmas. Vocês eram apenas duas pessoas quebradas. Cada um com seus cacos. Cada um buscando uma escora. O amor como muleta. Naquele momento, a vida já havia tirado tanto, que vocês achavam injusto que o amor não pudesse servir como amparo. Acontece que, em vez de buscarem algo que pudesse reconstituir os afetos, vocês resolveram se cortar com o que restou. Laceraram um ao outro porque, a certa altura da vida, as pessoas perdem a capacidade de amar (p. 27).

E, quando olhei de novo, já estava no fim, com uma dor estancada que não me permitiu chorar por nada, mais nada. Fiquei ali, lendo e lendo e lendo e esperando o fim do fim, porque as coisas já tinham morrido há muito tempo. 

Prefiro uma verdade inventada, capaz de pôr de pé (p. 183).

Isso me fez lembrar coisas de mim, que já passei. Acho que sou assim, como Pedro também. Invento ou esqueço de coisas só para seguir minha vida bem feliz. Eu escolho não sofrer, deliberadamente inventando coisas e esquecendo também. Seleção natural para viver melhor, talvez seja um nome pomposo para isso.

 Jeferson Tenório

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