A gente chega em alguns livros pelas autoras. Eu muitas vezes não leio nada sobre o livro e já pego para ler, começo e vou. Foi isso aqui, porque já li outras coisas de Alice. Um amigo também tinha falado muito bem do livro, da escrita, de como era bem escrito. Comecei a ler e depois de um pouco da história, fiquei impressionada como Alice conseguiu, em pouco mais de meia página, descrever - com sensações, sentidos, sentimentos - o que era o ciclo de uma semana na vida de uma família feita de mãe, filho e pai no sul dos EUA em meados do século passado (p. 25-26).
Eu imaginava que ia ser pau viola, ou seja, pesadão pesadão dão. Às vezes não quero ler isso, não. Eu consigo, mas não sempre. Só que não sei bem o que fazer. Tem dor e delícia em todos os livros, não só em livros escritos por gentes negras. Só que quando eu lia Memórias Póstumas de Brás Cubas, talvez não me tocasse tanto, por isso parece que tem livro escrito por gentes brancas que é só alegria, mas não vejo assim, não (nem Terry McMillan e seu livros sobre relacionamento com leveza consegue não pesar por vezes). Eu pelo menos não vejo mais assim, não dá para um livro ser só docinho, docinho e ser incrível. As coisas doem porque sou gente e sinto dor e amor na mesma intensidade. Não tem como escapar da vida, eu sempre digo isso. Eu não vejo como.
Não faço resenha nem resumo do livro, eu escrevo o que eu quero aqui. Eu só vou dizer que o livro é a história de uma família negra através de algumas gerações, o que faz com que o personagem Grange Copeland consiga renascer e viver uma terceira vida. A percepção de Grange sobre como ele ainda poderia fazer algo para se tornar pessoa, ainda que tivesse errado em muitos momentos da vida - assim ele pensava - é o que nos mantém até o fim do livro, certas de que alguma coisa vai salvar todas nós.
Não posso dizer se é bem isso que acontece ou não, porque depende de quem lê e do que espera do livro e da vida. Há gentes que não esperam salvação, também. Porque esperar salvação é uma atitude muito cristã. O que sinto nos livros de Alice e de Toni é que, tomados aos pedaços, parecem apenas descrições simples da vida que vejo ao redor, mas o conjunto da obra, olhado de longe, tem tanta força que eu poderia dizer que muitas vezes tornou-se responsável pela vida que respira em mim. Ler essas histórias tem me ajudado a me entender, quando eu mesma nem sei se quero ou posso entender nada.
Eu muitas vezes não vejo sentido na hora que estou lendo, mas acho que ninguém lê livro fazendo isso, não é mesmo? Ninguém lê nada procurando explicação. Ao mesmo tempo, e com o tempo, todos eles fazem tanto sentido, enchem minha vida de sentido! Essas duas sensações - querer explicação e não achar explicação - não são contraditórias, elas convivem e me fazem ter a certeza que sim, ainda estou aqui.
Há muitas passagens que eu gostaria de copiar aqui, mas ficarei com uma delas (duas, vai), uma conversa tensa entre Grange e seu filho Brownfield:
Por Deus, eu sei o perigo de colocar as culpa tudo em outra pessoa pelas besteira que ocê faz com a própria vida. Eu mesmo caí nessa armadilha! E eu tenho a tendência a acreditar que é desse jeito que os branco consegue te corromper mesmo quando cê nunca fez nada. Porque quando eles te convence que são os culpado por tudo, te convence a achar que são uma espécie de deus! Ocê não pode fazer nada de errado sem eles estar por trás. Ocê passa a ser fraco que nem água, sem ter a sensação de fazer nada por sua própria conta. E aí começa a pensar em maldade, começa a destruir todo mundo ao redor docê e colocar a culpa nos branquelo tudo. Merda! Ninguém é tão poderoso quanto nós acha que é. Nós é dono da nossa própria alma, não é? (grifos da autora, p. 267)
[...] quer dizer, os branquelo pode ter me feito largar da minha esposa - continuou ele - mas onde estava o homem em mim que me deixou ir embora escondido, sem nunca contar a ela aonde eu ia, sem nunca dizer que eu perdoava ela, sem nunca dizer o tanto que eu estava errado?
[....] e os branco pode ter me obrigado a acreditar que comer cem piranha era um sinal da minha masculinidade - continuou Grange -, mas onde estava o homem em mim que me deixou enganar Josie de um jeito tão baixo, quando eu estava pouco me lixando para ela, desde que ela me obedecesse e comprasse a minha fazenda? (grifos da autora, p. 267-268)
Plau, plau, plau e acabou.
Alice Walker
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