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sábado, outubro 22, 2011

Carta em solidariedade a Escola Municipal de Educação Infantil Guia Lopes em São Paulo.




Vamos cuidar do futuro de nossas crianças, sim! Combatendo o racismo, hoje! 

Em, 2011 foi instituída a campanha do UNICEF “Por uma infância sem racismo”, e também o ano internacional do afrodescendente, definido pela ONU, marcos importantes para estimular ações em prol da igualdade racial na educação. Além disso, a educação brasileira em sua lei maior institui como obrigatório o trabalho, permanente, com a cultura afro-brasileira e africana. Parecem medidas simples e de baixo impacto para superar as desigualdades raciais tão agudamente vividas pela população negra brasileira e de modo especial pelas crianças negras e indígenas.
Segundo dados divulgados no 2º Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2009-2010 em 2008, 84,5% das crianças negras de até 3 anos não frequentavam creches enquanto 79,3% das crianças brancas estão nesses espaços. Em relação às crianças negras de 6 anos, 7,5% estavam fora de qualquer tipo de instituição educacional enquanto 4,8% das crianças brancas estavam nesta situação e por fim somente 41,6% das crianças negras de 6 anos estavam no sistema de ensino seriado comparado a 49% das crianças brancas.
Diante desses dados as medidas assinaladas se coadunam com a cobrança dos movimentos sociais para a instituição de políticas que modifiquem o quadro de desigualdade racial que também atinge às crianças. No entanto, quando gestores e professores comprometidos com uma educação que favoreça o pleno desenvolvimento da criança incluem no seu fazer pedagógico ações que busquem romper com a dominação de raça, cumprindo a legislação educacional vigente e dando concretude as demandas da agenda internacional, acontecem fatos da magnitude do que ocorreu na escola de educação infantil Guia Lopes, na zona norte de São Paulo que relato a seguir.
Depois da festa junina afro-brasileira, da oficina de toques de tambores e de outras ações que trabalharam a diversidade racial, no sábado do dia 16/10/2011, o muro da escola amanheceu pichado com a seguinte frase: "vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas”,escrita entre duas suásticas.
Sabemos que o uso desse símbolo para fins de divulgação do nazismo é proibido, aliás, texto posto na lei que institui o crime de racismo. Mera coincidência?
Claro que não. Os que escreveram, falam de um lugar muito bem definido. Ameaçam e sabem por quê. São pessoas assustadas com a possibilidade de ver o desmantelamento de uma educação que privilegia um único saber, que desmerece a construção cultural da população negra. Sabem que o trabalho realizado pela instituição, em questão, tem repercussões mais profundas do que simplesmente mudar o currículo. Assustam-se ante a existência de crianças negras empoderadas, cientes de seu valor como sujeito histórico, da beleza de seus cabelos e cor de pele da relevância de suas vidas.
O recado foi certeiro e de mão dupla. Para a equipe pedagógica que vem realizando um trabalho notável e colaborou para o desenvolvimento de matéria didático-pedagógico como parte do projeto da Rede Educar para a Igualdade Racial na Educação Infantil (Ufscar/MEC/CEERT), incluindo várias referências do patrimônio cultural afro-brasileiro e africano nas atividades educacionais desenvolvidas, as suásticas. Ou seja, a violência própria do nazismo, a ameaça, a instituição do medo. Para as famílias uma invocação da solidariedade da raça, à defesa dos privilégios, um chamado à supremacia da brancura, à preservação de uma educação eurocentrada.
Porém, o desfecho talvez surpreenda os pichadores. A reação foi imediata: protesto em diferentes redes virtuais e repercussão na mídia em todo o Brasil demonstrando que há uma resistência articulada, e nem esta escola, nem qualquer outra estará sozinha na grande tarefa de cuidar do futuro das crianças, garantindo-lhes uma educação sem discriminação e promotora da igualdade racial.
Serão as crianças mobilizadas pela escola que darão a resposta mais emblemática a este episódio. No lugar das suásticas e da frase racista, desenhos infantis, pois como dizia o grande mestre Paulo Freire “ensinar exige a convicção de que mudar é possível”, nós estamos convictos que a educação infantil tem um papel fundamental na construção de mentalidades que serão incapazes de uma pichação desse tipo. Com esse desfecho a escola cumpre efetivamente sua parte nesse processo e esperamos que as autoridades também façam a sua, no sentido de coibir novas manifestações de mesmo teor e protegendo a escola, as famílias e a sociedade brasileira do racismo.

Lucimar Rosa DiasMaria Aparecida da Silva Bento2 Waldete Tristão Farias Oliveira3

1 Professora da UFMS/ Consultora do CEERT. 
2 Diretora Executiva do CEERT - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades 
3 SME-SP/CEERT/Fórum Paulista de Educação Infantil


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