Mas, se perguntava às vezes, seria ela uma mulher? Sim e não, achava isso sempre. Não era daquelas que se empiriquitava, combinava blush, sombra e baton, roupas e acessórios, não era daquelas e sempre achava que as travestis eram mais mulheres que ela, em cima de uns saltões enormes e cílios postiços. Era uma mulher, sentia que era, mas não era uma mulher como outras mulheres diziam ser, sempre pensou isso e talvez por isso, foi ficando ali, sentada, na última carteira da classe, enfiando a cara nos livros, achando sempre que ser inteligente seria melhor do que ser bonita, já que com inteligência ela poderia ludibriar a própria beleza e a maioria dos homens.
Até que um homem, um desses que não se dá muito crédito mas por quem ela fora completamente apaixonada lhe disse, assim, de sopetão, num dia depois de fazerem amor, muito amor:
- Você é tão bonita.
Você é tão bonita assim, sem exclamação, como se fosse uma constatação óbvia, ele passou a mão no rosto dela e terminou o dia assim:
- Eu gosto muito de você.
E ficou por uns segundos olhando dentro dos olhos dela, ela não conseguia olhar, não conseguia desviar, ficou pensando em outra coisa e olhando lá no fundo dos olhos dele também, que pareciam um mar calmo, igual aquele em que ia com seu tio quando era bem pequena, São Tomé. Da praia, ela via a ilha. Olhando dentro dos olhos dele, via um homem.
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