Você que me lê, me ajuda a nascer.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Parágrafos.

Eu sigo gostando muito de cinema. Mas hoje, assisto bem menos que antes. Justamente por que agora eu gosto mais, acredito que pouca coisa vale a pena ver. Ontem vi um do Pablo Trapero muito bom, eu gosto dele. Tenho alguns dos longa-metragens que ele fez até hoje. Fez mais um, apesar do final óbvio. Eu adoro cinema latino-americano. Meu maior tesão na sexta é pegar o guia de cinema e ir marcando as coisas que já vi e as que quero ver. Há semanas em que consigo marcar vinte e dois filmes dos cinquenta que estão em cartaz. Mas essa lista tem diminuído. Da última vez, marquei apenas seis. Muitos, mas muitos mesmo, não valiam a pena. Como Harry Potter, coisas assim eu me recuso a assistir, se eu fosse crítica de cinema talvez assistisse o que não gosto, mas não tenho essa pretensão. Avatar, por exemplo, eu nunca vi, e acho que nunca vou ver. Por que é uma história de colonização na era digital do cinema, então eu não quero ver isso por que eu já tou cheia disso aqui na minha vida real.

Ele me disse que Kiriku era legal também por que fazem as crianças perceberem que a nudez não está só relacionada ao sexo, são modos de viver, modos de ser no mundo. E isso é bom para crianças. Eu gosto quando novas pessoas falam novas coisas sobre velhas coisas. Ele me disse várias coisas, mas o que mais me disse não se pode escrever, quando passava horas me olhando e em silêncio. Não sei, mas estou bem. Incrivelmente feliz, confiante. Ele dizia isso, que eu parecia ter tanta confiança e isso exalava de mim, do meu corpo, e fazia as pessoas me desejarem também. Que eu olhava o mundo com espanto e determinação. Isso tudo meio embolado, com um dicionário na mão e um afago na outra.

A música entra pelos meus poros, minha vida. A primeira coisa que eu faço quando acordo antes de lavar o rosto é ligar o som. Passo o dia pensando no que vou ouvir. E todos os meus exnamorados me apresentaram cantores e cantoras que hoje fazem parte de mim, eu não lembro deles quando ouço essas músicas, eu fico feliz por ter conhecido. Chico, Tim Maia, Paulinho da Viola, Destiny Child, Beyoncé Knowles, Mariah Carey, tem de tudo, eu realmente acho que música é uma coisa que me orienta. Algumas músicas são memoráveis e me lembram coisas, lugares, cheiros, pessoas, sensações, livros, tempos, filmes, desejos. Com todo mundo é assim? Não, eu tive um namorado que não ouvia música. Quase nunca. E quando eu estava ouvindo, ele quase sempre se incomodava, muito. Ou com o barulho, ou com a música. Abaixava o som com a desculpa de que queria conversar. Mas eu queria ouvir música às vezes, não conversar. Minha irmã perguntou como eu trabalho ouvindo música. Mas era só um relatório que eu estava escrevendo, e ela disse que eu era crânio. Não acho. A música serve também nessas horas. Mas há horas em que é preciso calar. Gosto, na verdade, de som. Quando não há música, há o som do ventilador, das teclas do computador, o barulho da geladeira ou o trem lá fora. Mas há sempre som. O silêncio? Dos olhos dele.

Queria saber como é não ser eu. Às vezes, queria me ler não sendo eu. Só para ver a sensação. Se eu iria me achar interessante, bacaninha.

Tem uma frase de Milton Santos que eu adoro, que eu sempre lembro. No documentário que fizeram com ele, podemos ouvi-lo vociferando:

a classe média não quer direitos, quer privilégios


Com direito a bater na mesa e tudo. Mas tem outras coisas dele que eu gosto. Eu lembro que quando li o livro dele sobre globalização, aquele Por uma outra globalização, eu pirei. Por que eu nunca vi ninguém escrever ciência com tanta poesia. Ele deu um nó na minha cabeça e nunca mais eu consegui reler o livro. Por que é bom demais. Ainda não me sinto preparada para isso – reler é coisa mais difícil que ler, presta atenção no que eu digo. E olha, o moço era de Sertão de Macaúbas. Eu sempre achei que cidadezinhas formam mais e melhores cientistas, de tudo que é jeito e lugar. Vai vendo Drummond, André Rebouças e companhia limitada.

Lendo bel hooks essa semana e pirando também. Não sei nem o que dizer, tudo que ela escreveu e que me marca tanto, tanto. Não sei como ela faz isso, essa bruxaria. Esse feitiço. Senti-me melhor, senti-me atordoada. Essa coisa da concentração, do estudo, da intelectualidade, da mulher negra. Lendo o que ela escreve eu me sinto alguém que precisa ser pega pela mão, fazer caminhar. Mas me sinto acompanhada também. Eu realmente entendi muitas coisas que aconteceram comigo até hoje depois que li bel hooks. E é um entendimento que passa pelo corpo, pelo modo como eu ando na rua, falo com as pessoas, é um entender-me organicamente no mundo, descobrir espaços, flutuações, desesperos, dores, fracassos, impossibilidades, palavras, medos, silêncios. A letra escrita em itálico não dá conta de apreender a sensação desconfortável que isso provoca, mas esse detalhe sensível talvez consiga dizer alguma coisa sobre como isso mexe comigo. Algumas pessoas conseguem usar o itálico bem melhor que eu. Mas tudo bem, elas são escritoras. Ou sou eu a leitora mais boba do mundo, que vê no detalhe da letra mais uma história para contar? Divagações.

Queria poder escrever bonito, para representar bem o bem que ela me faz. E também o bem de Lizz Wright, Toni Morrison, Eni Leite, Elizandra Souza, Thais Silva, Floetic, Meggy, mainha, Erykah Badhu. Mas não é fácil. Traduzir essa sensação de cócegas no coração que eu sinto com elas é empreendimento para toda uma vida. Ou talvez, vá saber, não para essa vida.

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