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domingo, julho 11, 2021

Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada, Preta Rara.

 



Quem me conhece sabe que eu não concordo com a contratação de empregadas domésticas. Podemos fazer debates o dia inteiro, mas ninguém me convence que é preciso uma para trabalhar, ter crianças e conseguir dar conta de tudo. Podem haver situações em que uma empregada doméstica paga é indispensável - uma senhora idosa sozinha e convalescente, uma mãe com crianças e morando longe de toda a família, etc -, mas eu sempre fico assim, desconfiada. 
Contratar empregada doméstica é símbolo de ascensão social e as pessoas muitas vezes o fazem sem se perguntar se precisam mesmo. Começou a ganhar um pouquinho mais, duas coisas: escola particular e empregada doméstica. Há quem sempre teve e nem se pergunta, mas aqui eu falo de quem vem de família com todas as mulheres sendo empregadas domésticas e assim que podem, contratam uma, quando não "dão uma chance" para alguém da família mesmo. Eu fico besta que pagar um curso profissionalizante, inscrições em concurso público ou ajudar a estudar a tal "pessoa da família" que se "deu uma chance" nunca entra como possibilidade
Este livro tem depoimentos aterradores e eu quis ler, sim, para alimentar ainda mais o meu ódio por esses símbolos da classe média. Não há apenas relatos de empregadas, mas de filhas/os e amigas/os delas e até de estudantes de arquitetura que foram advertidos pelo professor para desenharem um apartamento com um quarto de empregada com porta para os fundos e sem janela. Pasmem?
Não, repensem a vida sem empregada doméstica e vejam que é possível. Se não tivéssemos essa opção, talvez pudéssemos lutar mais ainda por direitos trabalhistas para todas as pessoas - afinal, não tenho quem faça por mim, preciso de tempo na minha vida para fazer as coisas de casa e todas as empresas e instituições teriam de repensar a produtividade com base nesse tempo necessário para fazer as coisas de casa - e talvez consumiríamos menos, já que seríamos nós mesmos a tirar o pó dos livros, a sujeira daquelas souvenirs que não servem para nada que compramos nas viagens e a lavar e passar milhares de roupas. Talvez também, sem empregada doméstica, nós radicalizaríamos mais ainda as relações heterossexuais em que o macho não faz nada em casa e nem cuida da criança. Com outra mulher fazendo o que eu não consigo - uma mulher negra é o mais indicado, afinal, nós já temos esse "dom de cuidar", né? - como é que a gente aguentaria viver dentro de casa com homens que ainda não aprenderam que serviço doméstico e cuidar de criança é coisa para todo mundo fazer? Nossa paciência, certeza, ia esgotar bem mais rápido e talvez a revolução já teria acontecido, de verdade.
Estou sonhando? Mas se é só o que eu faço para conseguir aguentar essa situação, gente, novidade nenhuma. Pensem nisso e parem de me encher o saco.

Preta Rara

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