Ele, homem negro. Jovem.
Fazendo o serviço que muitos e muitas de nós fazemos desde sempre.
Passa na rua dia sim, dia não.
Usa um óculos escuros, tem sempre um fone de ouvido.
Sobe, desce. Leva o lixo das casas, mas não parece ter perdido a coragem.
Ela, mulher negra. Mais jovem ainda. Na hora que o caminhão passa em sua porta, se posiciona, parece feliz. Ele vem subindo, junto com o caminhão de lixo. Recolhe o que há na rua, acena para algumas pessoas, está de luvas.
É uma cena linda. Eu o vejo, ele subindo. Eu a vejo, ela esperando ele chegar.
Então acontece. Ele passa em frente a porta dela, ela sorri, chega perto. Ele lhe dá um beijo na boca, com cuidado para não tocá-la. Ela balança o corpo daquele jeito que fazemos quando não conseguimos aguentar a felicidade dentro.
Conversam um pouco e eu que tudo observo, já lavo minha alma com essa dose de alegria de manhã cedo. Mais beijos, mais balanços, ele corre, há que se pegar o lixo e dar-lhe alguma atenção, ele tem cuidado para não tocar-lhe, mas ainda assim não desiste dos beijos. Ela respeita o limite da roupa e da luva, não avança, embora pareça desejar muito. Imagino que aquele balanço intenso é parte do controle que faz para não agarrá-lo.
Um código de corpo que só tem amor.
Ela é jovem e há tanta vida nela que eu remocei alguns anos só de vê-la apaixonada e feliz. Ela é tanto sorriso e balanço que dá para limpar a cidade inteira de desamor e pessimismo. Ele? Ele é quem limpa a cidade da sujeira toda mesmo, ele não é poesia, não, mas, ainda assim, é por ele que o amor se faz
Toda a rua sabem quando brigam e quando fazem as pazes, ela está lá, ela não está lá, ele não tira os fones, ele não para. Ele e ela me fazem mais corajosa de viver minha própria vida, minhas escolhas. Sem vergonha nem medo.
Sou mais forte vendo o amor ali, esperando o caminhão do lixo. E descobri assim que, ao invés de esperar o caminhão do lixo, o que eu estou esperando agora é ver o amor acontecer, dia sim, dia não, do lado da minha casa.
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