Você que me lê, me ajuda a nascer.

quarta-feira, junho 23, 2010

Amizades.

As amizades, prova viva de que as coisas podem dar certo. A amizade é um amor. Me escreveram coisas hoje e eu boba fui ler dentro do ônibus, fiquei emocionada assim, as lágrimas escaparam. Fiquei lendo e relendo, amassando dentro do bolso as letras que todas juntas me diziam coisas que nunca mais esquecerei:

Você é uma mulher forte, não se deixe vergar por ninguém. No mundo não existe um só homem que valha a sua dignidade. Não confunda com o amor o sacrifício de si mesma

Extraído de um livro chamado Zenzele, ela me reescrevia aquilo que tinha lido e a tocado, e que ela acreditava que me faria bem. Não me fez só bem, me acalmou, me devolveu a dignidade.

Como dizem os antigos, o baobá, por mais sólido e majestoso que seja, definharia se fosse transportado das ricas primaveras e do solo generoso que lhe dá vida

(...) mas nosso orgulho não deriva de coisas materiais. Vem de estarmos perto de nosso chão

Você é uma ave rara, Zenzele. Será notada no além-mar por sua plumagem colorida, pelo voo gracioso e pelo bonito canto. Há detalhes adoráveis que irão destacá-la do bando!Um deles é sua cor. Em nossa terra, você conhece cada tom, do caramelo ao carvão. No ultramar, não sabem enxergar nosso arco-íris. Para eles, somos todos de um negro carregado

Descobri que todos nós temos que encontrar nosso próprio caminho, nossas próprias palavras, nossa própria estação

Isso nem é amizade, e é mais que amor. Essas palavras fizeram por mim o que a maioria das pessoas que estão ao meu redor nunca conseguiram me fazer nos últimos tempos: me devolveram o sorriso de criança, a vontade de vida, a esperança da volta, a certeza de um amor-perfeito. Essa mesma moça-amizade me apresentou a poesia que para sempre, nunca me deixará sucumbir:

Ressurgir das cinzas
Esmeralda Ribeiro

Sou forte, sou guerreira,
tenho nas veias sangue de ancestrais.
Levo a vida num ritmo de poema-canção,
mesmo que haja versos assimétricos,
mesmo que rabisquem, às vezes,
a poesia do meu ser,mesmo assim,
tenho este mantra em meu coração:
"nunca me verás caído ao chão".

Sou destemida,
herança de ancestrais,
não haja linha invisível entre nós
meus passos e espaços estão contidos
num infinito tonel,
mesmo tendo na lembrança jovens e parentes que,
diante da batalha deixaram a talha da vida se quebrar,
mesmo tendo saudade cultivada no portão.
Mesmo assim, tenho este mantra em meu coração:
"nunca me verás caída ao chão" .

Sou guerreira como Luiza Mahin,
Sou inteligente como Lélia Gonzáles,
Sou entusiasta como Carolina de Jesus,
Sou contemporânea como Firmina dos Reis
Sou herança de tantas outras ancestrais.
E, com isso, despertem ciúmes daqui e de lá,
mesmo com seus falsos poderes tentem me aniquilar,
mesmo que aos pés de Ogum coloquem espada da injustiça
mesmo assim tenho este mantra eu meu coração:
"Nunca me verás caída ao chão".

Sou da labuta,
sou de luta,
herança dos ancestrais,
trabalhar, trabalhar, trabalhar,
mesmo que nos novos tempos irmãos seduzidos pelo sucesso vil me traiam,
nos traiam como judas sob a mesa,
meu ganha-pão.
Mesmo que esses irmãos finjam que não nos vêem,
estarei ali ou onde estiver, estarei de corpo ereto, inteira,
pronunciando versos e eles versando sobre o poder,
mesmo assim tenho esse mantra em meu coração:
"nunca me verás caída ao chão".
Me abraço todos os dias,
me beijo, me faço carinho,
digo que me amo, enfim, sou vaidosa espiritual,
mesmo com mágoas sedimentadas no peito,
mesmo que riam da minha cara ou tirem sarro do meu jeito,
mesmo assim tenho esse mantra em meu coração:
"Nunca me verás caída ao chão".

Me fortaleço com os ancestrais,
me fortaleço nos braços dos Erês.
Podem pensar que me verão caída ao chão,
saibam que me levantarei
não há poeiras para quem cultua seus ancestrais,
mesmo estando num beco sem saída,
levada por um mar de águas,
mesmo que minha vida vire uma maré,
vire tempestade,
sei que vai passar.
Porque são meus ancestrais que se reúnem num ritual secreto
para me levantar.
Eu darei a volta por cima e estarei em pé,
coluna ereta,
cheia de esperança,
cheia de poesia e com muito axé
por isso, desista,
tenho este mantra em meu coração:
"nunca me verás caída ao chão".

RIBEIRO, Esmeralda. Cadernos negros,vol 27: poemas afro-brasileiros.São Paulo:quilombhoje,2004.

Te amo, Elizandra Souza. Minha amizade-amor.

Nenhum comentário: