Fechei o livro e vim escrever sobre ele, escrito por Athol Fugard, publicado pela primeira vez em 1980. Athol foi diretor de teatro e junto com o livro, ao final dele, há também a peça Mestre Harold e... os meninos. Vamos lá, falar de cada coisa de cada vez.
A história de Tsotsi (David Madondo) já foi retratada no cinema e eu até já assisti, mas sinceramente não lembro do desfecho do filme (o filme tem o mesmo nome do livro, ganhou Oscar e tudo). Com certeza não é o mesmo do livro, senão eu estaria lembrando mais do filme.
Filme Tsotsi - Infância Roubada, 2007.
É um romance psicológico, o tanto de psicologia que o teatro se compromete nos textos. Athol não nega sua formação ao escrever o interior das personagens quase todo o tempo do livro, muito mais do que o mundo ao redor, que realmente não significa muita coisa, quando você está destroçado por dentro.
O livro conta a história de Tsotsi e seu grupo de três meninos que vivem no subúrbio (shebben) da África do Sul em tempos de segregação racial, 1950. Tsotsi é o termo utilizado para identificar as crianças que sobrevivem nas ruas, cometendo pequenos furtos, além de vez por outra realizar assassinatos e estupros. Na introdução do livro, Jonathan Kaplan nos informa
Tsotsi era um estilo. Jovens negros nos distritos de Johannesburgo, fascinados pelos filmes norte-americanos da década de 40 sobre gângsteres, adotaram o mesmo estilo de se vestir, e um deprezo pela lei e pela ordem. (essa parte da fascinação pelos filmes norte-americanos eu realmente acho que é á leitura fascinada de Kaplan, um jovem médico branco)
A grande reviravolta do livro acontece quando Tsotsi depara-se com um bebê nos braços, abandonado por uma mulher a quem pensou em molestar sexualmente. Depois desse encontro, o livro toma outros rumos e a vida de Tsotsi também.
Já a peça Mestre Harold... e os meninos possui um conteúdo em seu texto que talvez eu não consiga me conectar por minha postura racial e política. Mestre Harold é um garoto de 16 e os meninos são dois senhores negros que trabalham para a família de Harold, que exige a certo ponto ser chamado não de Hally, seu apelido carinhoso de infância e sim mestre Harold. Em que pese a importância que há no teatro que conta histórias de exploração humana, já que elas devem ser contadas para que não sejam esquecidas, é preciso cuidado para não repetir velhos modelos que colocam grupos racialmente subordinados nos lugares em que os brancos acham que devemos estar. Nesta peça, não há ponto de virada, para mim é a mesma forma de contar a história das relações humanas vividas em tempos de segregação racial: a típica mea culpa que a população branca teima em fazer nestes casos. Será que uma vez ou outra seria possível escrever ao menos uma cena ou um final que seja que escancare possibilidades de humanidade nos grupos raciais subordinados.
Vou explicar o que falo contando parte da peça:
O pai de Hally é um aleijado e alcoólatra , como ele mesmo o chama. Por conta disso, Sam, um dos senhores que trabalha no salão de chá da família, esteve mais próximo de Hally do que o próprio pai. Hally parece nutrir sentimentos de amor e ódio por Sam, mas na peça, a relação de poder estabelecida por Hally em relação a Sam não nos deixa ir além da sua confusão mental com tons racistas em relação ao que sente por Sam e em consequência, ao que sente pelo pai, ou vice-versa. Não é que Hally não possa ser racista, mas seria importante ultrapassar esse ponto da relação, tão batido. Uma ótimo exemplo de como se pode ir além é o filme Django, de Quentin Tarantino.
Não é que Tsotsi apresente uma saída ou seja diferente de tudo isso. Tsotsi é mais original porque, mesmo apresentando uma história sem saída, tenta captar a situação do ponto de vista de um rapaz negro, sem o típico antagonismo racial interpessoal e bastante comum nas obras escritas por brancos em situações de segregação racial. Tsotsi é a história de um rapaz negro, com todas as agruras que ele poderia ter, mas sem cenas de auto-piedade branca ou mea culpa.
Achei uma paradinha sobre o filme aqui.
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