Por Ana Costa.
A cada dia que passa, sinto mais vergonha da cidade em que nasci.
Niterói é uma cidade que segrega. Posso dizer isso por experiência própria, porque desde criança até a adolescência, morei na periferia. Atualmente moro num bairro de classe média, e apesar do olhar da criança ser diferente do adulto, nesses dois contextos, vivenciei duas cidades com realidades e oportunidades diferentes. Da minha infância para os dias de hoje, a situação das periferias se tornou, talvez, mais precária. Além de que há pobreza e riqueza mais extremas do que a média que conheço.
Poder-se-ia dizer que há desigualdade social em qualquer parte do Brasil. Não resta dúvida. Mas, em minha cidade, por muito tempo, se vendeu um discurso sobre qualidade de vida, classe média alargada, pessoas instruídas, com seus carros na garagem, suas matrículas em escolas particulares, seus planos de saúde, etc.
Até mesmo o Museu de arte Contemporânea (MAC) chegou a ser cenário para uma ou outra novela da Globo. Que ironia! Uma cidade que tem um museu como símbolo, despreza completamente seus professores, a ponto de ignorar seus apelos por negociação durante cinquenta e quatro dias de greve. O que é pior, levados, mais de uma vez, ainda que sob pressão, para mesas de audiências que não aconteceram, ou onde, simplesmente, não foi apresentada nem uma proposta sobre a pauta da categoria.
Artificialidade, já que citamos cenário de novela, essa é a palavra adequada para uma cidade que soterrou milhares de homens, mulheres e crianças, não exatamente pelas chuvas, mas sim pela irresponsabilidade de governantes e elites assassinas de Niterói. Quem matou mais de cem pessoas não foram os temporais. Quanta hipocrisia classificar o acontecido como tragédia natural. Quem os matou foi o mercado imobiliário especulador, hoje em ascensão nesta cidade, foi a prefeitura, foi a câmara de vereadores, foi a indiferença de Niterói. Os mesmos que também matam aos poucos o povo pobre daqui, a classe trabalhadora que vive com baixos salários, sem direito à moradia, a hospitais, à segurança e à educação de qualidade.
Nasci e me formei aqui. Sou graduada pela Universidade Federal Fluminense e hoje, sou professora da rede municipal. Eu não dou aula para os filhos de empreiteiros, empresários de ônibus, não dou aula para os filhos das elites nem das classes médias de Niterói, por isso meu trabalho não tem a mínima relevância para a prefeitura. Para eles tanto faz que eu dê uma aula medíocre, ou que eu realmente me empenhe. Acho que preferem até que eu faça um trabalho medíocre, mantendo o pacto da mediocridade, e dando-lhes menos trabalho.
Os filhos dos trabalhadores pobres, bem como os próprios, são considerados lixo pelos nossos governantes, enquanto suas escolas são tratadas como depósito de crianças-lixo, para os quais elas são mandadas a fim de não perturbarem a “paz social”. A educação – palavra a qual costumam encher a boca para falar – rende-lhes verbas a serem desviadas ou a encherem os bolsos de empresas amigas e meia dúzia de propagandas enganosas em cima de um ou outro bom resultado, fruto de boa vontade e trabalho de algumas pessoas, vampirizado por essa Fundação, Secretaria, ou sabe-se lá mais o que gere a rede municipal de ensino.
Depois de uma audiência, aos 54 dias de greve, para uma negociação que não aconteceu, não quero usar palavras brandas, nem otimismo, porque hoje, só sinto indignação, raiva e muita vergonha de pertencer a esse município falso, irresponsável e segregado. Onde vejo serem mortos de imediato em deslizamentos, conflitos armados, por falta de atendimento de saúde, ou aos poucos, por falta de escolas, educação de qualidade e outras oportunidades, os sonhos de trabalhadores pobres dessa cidade e de suas novas gerações.
Olhem para a face socioeconômica e étnica das crianças, jovens e adultos que estão, neste momento, sem aulas por quase dois meses, por pura irresponsabilidade do governo e verão quem Niterói segrega. Eu sinto raiva e vergonha de viver numa cidade assim.
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