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terça-feira, março 15, 2011

Ainda estamos de pé, texto de José Roberto Barbosa.

AINDA ESTAMOS DE PÉ
Há cem anos, em Londres, acontecia o 1° Congresso Universal das Raças. Dele participou o então diretor do Museu Nacional João Batista de Lacerda, delegado pelo Brasil e único representante da America do Sul a apresentar relatório. Nesse relatório ele afirmou que a população do Brasil, de sua época, era constituída principalmente por negros e mestiços negros e que os considerados brancos tinham além da ascendência européia, ascendência africana e indígena. È importante dizer que esse comentário resultou em criticas por parte de alguns de seus compatriotas que o acusaram de denegrir a imagem do povo brasileiro frente á comunidade internacional. Contudo, Lacerda afirmou também que, segundo suas pesquisas, por conta das políticas raciais, em cem anos já não haveria mais nenhum traço da raça negra no país.
“no Brasil já se viram filhos de métis apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres físicos da raça branca[...]. Alguns retêm uns poucos traços da sua ascendência negra por influência dos atavismo(...) mas a influência da seleção sexual (...) tende a neutralizar a do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da raça negra(...) Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio".
Como todos devem saber não bastassem três séculos algumas décadas e uns anos de sistema escravista, a população negra do Brasil ainda teve de enfrentar, alem do preconceito, que ainda nos assombra, a repressão social, cultural, religiosa e também econômica das primeiras cinco décadas da republica, que deveria ser provisória. Á exemplo do que ocorreu em outros países americanos, como a Colômbia e Argentina o Estado Brasileiro, além de dispensar as medidas de inserção social da população negra planejadas por alguns membros do movimento abolicionista (como os do intelectual negro André Rebouças) adotou como política de estado, os ideais de embranquecimento, fenotípico e cultural, da população brasileira. Ideais que já existiam nos primórdios coloniais e que foram reforçados no século XIX pelas teorias de diferenças raciais e de eugenia então populares no meio acadêmico.
Alem do incentivo a migração européia procurou se evitar a imigração africana e asiática através do Decreto n° 528 de 1890 que só permitia a imigração de africanos e asiáticos se houvesse autorização do congresso.
Nas escolas e nos meios de comunicação de massa as características culturais e fenotípicas européias eram mostradas como positivas em detrimento daquilo que não que não era europeu. Simultaneamente muitas das manifestações culturais e religiosas da população negra tornaram se ilícitas (embora antes já fossem consideradas contravenção) e mesmo quando não eram proibidas eram más vistas. Não é preciso nem recorrer aos inúmeros relatos escritos, gravados ou filmados que falam sobre isso (como no caso do documentário “Samba a Paulista”). Basta procurar o relato de qualquer negro(a) que tenha vivido nessa época e ele(a) vai confirmar isso. Usando aqui um exemplo pessoal, meu bisavô contava que mais de uma vez foi perseguido pela policia somente pelo fato de carregar seu bandolim.
Apesar de os negros terem sido a maior parte dos trabalhadores no campo e na cidade, atualmente usa se a desculpa que os imigrantes (sem querer aqui diminuí-los) saberiam trabalhar com o café melhor do que os negros (apesar de a maioria dos imigrantes que aqui chegavam nunca ter visto um pé-de-café na vida - e alguns deles mal tinham dinheiro para ter tomado um), que, diferente dos imigrantes, os negros não estavam preparados para o trabalho livre, que não estavam preparados para o mercado de trabalho.
Algo contraditório já que segundo o censo de 1872 de uma população de 9930478 pessoas registradas naquele censo 5700000 eram negras, sendo que 1500000 desses negros ainda eram cativas e 4200000 já viviam em liberdade, enquanto que na época em que se deu a Lei Áurea (em 13 Maio de 1888) o numero de escravizados estava em aproximadamente 720000. De forma que então a grande maioria dos trabalhadores negros era livre.
Nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro, até cerca de 1890, os negros costumavam ser a maior parte da classe trabalhista. Entre eles não se encontravam apenas carregadores e outros operários não especializados, mas também muitos trabalhadores especializados como; ferreiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, etc.... A partir daquela década, começou se a investir na industria que, a partir de então, rapidamente substituiu a manufatura artesanal. Contudo aqueles que até então haviam sido os maiores trabalhadores no Brasil (tanto como mão de obra escravizada, quanto livre) foram excluídos desse novo setor de trabalho. Pois as industrias e comércios eram incentivados a contratarem apenas imigrantes e filhos de imigrantes. Por isso os homens negros tinham dificuldade de conseguirem emprego formal (registrado) e freqüentemente acabavam vivendo de biscates, ou mesmo na criminalidade. Trabalhando como cozinheiras, copeiras, lavadeiras, faxineiras nas casas da elite e classe - media as mulheres negras costumavam serem as provedoras de suas família.
No pós - abolição a repressão da chamada República Velha gerou ao menos duas formas de resistência, que ás vezes se cruzavam. Uma delas tinha um caráter mais politizado e militante vinda, sobretudo de elementos de população negra pertencente à classe – media que Florestan Fernandes denominou como “Elite Negra”. A outra forma de resistência oriunda dos grupos mais empobrecidos e marginalizados da população negra. Caracterizava se por ter um sentido maior de resistência cultural onde, a despeito da repressão policial e criticas da “alta sociedade, faziam suas rezas, suas tradicionais festas, seus sambas e batuques. Se muitas dessas manifestações sobrevivem hoje é principalmente pela resistência cultural dessas camadas populares que o fizeram mais por devoção ou paixão lúdica do que por qualquer ideologia.
Tudo isso para dizer que apesar de tudo o que foi feito contra nós, particularmente contra nossos ancestrais, apesar de tudo o que foi feito para que em 2011 não houvesse mais nenhum traço nosso nesse país, nós estamos aqui. Estamos de pé, como diz a musica “Irmão Café” de Nei Lopes e Wilson Moreira.

“Mesmo usados, moídos, pilados,
Vendidos, trocados, estamos de pé:
Olha nós aí, meu irmão café!”

Por conta disso acredito que deveriamos aproveitar esse ano estabelecido por João Batista de Lacerda para erradicação dos negros no Brasil para fazer uma espécie de campanha, ou algo assim.
Dizer para o mundo que ainda estamos aqui.
Que apesar de tudo que fizeram contra nós, ainda estamos de pé.
Sofremos muito e ainda sofremos, mas ainda estamos aqui.
Muitos de nós cairam nessa de embramquecer.
Muitos de nós sofrem com baixa estima.
Mas ainda estamos aqui, estamos de pé.

Basicamente é isso, não deixarmos passar em branco, denuciar ao mundo essa infeliz politica e fazer com que a o estado brasileiro e, principalmente, a sociedade brasileira reconheçam esse mal que nos foi feito. Não é uma questão de vingança ou algo assim, mas sim de sermos justos.

José Roberto Barbosa
Contatos: hoolkpan@yahoo.com.br

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