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sexta-feira, maio 20, 2005

Chiques & Famosos.

Andar de ônibus nunca foi um problema pra mim. Claro que nem sempre gosto de viagens demoradas e preferiria que isso ocorresse com menos frequência, mas... foi numa dessas viagens que conheci Rosa. Senhora de seus 52 anos de idade, entrou no ônibus com umas sacolas enormes, atrapalhando a todos. Eu já a tinha visto antes, no meu local de trabalho, é parente de alguém que por lá também trabalha, vai saber, mundo pequeno. Rosa ia em pé, até que a moça com um neném ao meu lado desceu, e ela se sentou ao meu lado, com um sorriso no rosto. - Pra onde vai, Rosa? - essa pergunta só existindo aqui por que Rosa já tinha falado comigo umas poucas vezes, sendo sempre muito sorridente, lhe perguntei assim que se sentou. - Trabalhar, menina. Vendo flores no semáforo. Sabe aquele semáforo ali, que tem antes de chegar no Aeroporto? Pois é, tenho ponto ali há 20 anos. - É mesmo, Dona Rosa? Nossa, que trabalho, hein? Quando a senhora termina de vender? - Ah, minha filha, chego em casa lá pelas 02 da manhã, e meu netinho às vezes me espera, de tanta saudade que sente. - E como é, Dona Rosa, muito puxado? - Ah, é, sim, e agora então! Chego em casa sempre duas da manhã, vou no negreiro (nome dado ao último ônibus de uma linha, uma alusão muito direta aos verdadeiros negreiros existentes há tempos atrás...)! Os rapa andam sempre por lá, sabe, e querem levar a gente ou manda a gente desistir de ir vender lá. Mas eu digo pra ele, tu vai me dar emprego, se tu me der eu saio, mas aí ele não tem resposta, eu finjo que vou embora e volto depois, mais tarde, que não tem fiscalização. - Mas Dona Rosa, deve ser perigoso por lá... - Se é, menina. Tu sabe aquele famoso que cantava numa banda do Gugu? Pois é, ele tava sempre por lá usando drogas, sabe? Agora não tá mais. Dizem que ele parou e voltou, você precisa ver, todo acabado, ele deve morar lá por perto, por que ia andando, sabe? Mas isso tem em todo lugar, não é só lá, eu mesma é que não quero isso pra mim, tou fora. Vendo minha flor e já tá bom. - O que tem de bom nesse trabalho, então? A senhora parece tão animada, mesmo sendo tão cansativo... - Ah, mas eu gosto, gosto muito, menina. Você nem imagina, a gente vê todo mundo por lá... esses cantores, atores, sabe? O Sílvio Santos, antes do sequestro da filha dele, passava muito por lá. Mas como é feio, hein? A Hebe, esses cantores de música sertaneja... uma vez eu confundi, tava vendendo flor pra uma dupla e chamei pelo nome da outra, ai eu disse que era por que eu gostava das duas e tava emocionada... aha. - Quem mais a senhora já viu por lá? - A Sandy é legal, a família toda compra e deixa a gente chegar perto do carro... Netinho não... de longe ele já diz pra gente não aproximar... - Sério? - Pois é, minha filha, tudo pose. E tem esse ator da novela das 8, que faz o peão, o Tião, sabe? Ele é legal, compra flor na minha mão, sempre tá por lá... tem muitos, todos esses que passam na TV' eu já vi. - Imagino que a senhora deve ter muita história pra contar... a senhora nunca pediu autógrafo, não? - Eu? Pra quê? Um dia sabe, eu pedi, dessa atriz aí da novela das 6, eu não sei o nome, aí ela rabiscou uma coisa lá, nem parecia letra, sabe, pra quê eu ia querer aquilo, peguei e joguei fora, garrancho eu também sei fazer. Aí depois disso não quis mais, sabe? - É mesmo, né, bobagem... - Mas sabe, deixa eu te dizer uma coisa... trabalhar nisso de vender flor só tem um problema: tu fica conhecida demais. Outro dia eu tava lá no Ipiranga com minha filha, andando na rua, na minha, e buzina um carrão importado assim, sabe? Olhei e o cara acenou lá de dentro, reconheci, é um senhor que sempre compra flor na minha mão. Vê se pode, eu lá longe, ele me achou? Isso não é legal não, em todo lugar que vou encontro gente que me conhece, é chato demais, gosto não. Dona Rosa pediu ponto e desceu dois quarteirões adiante. Eu segui a viagem, não ousando puxar conversa com mais ninguém. Dona Rosa já tinha tomado todo o meu pensamento, era quase um desrespeito querer aprender mais alguma coisa com algum desconhecido naquele dia.

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