Se você faz uma coisa todo dia, você aprende?
Aprende.
Mas não pensa que foi fácil tirar essa foto, não. Mas tudo bem, eu consegui. Segurei a moto com uma mão só, parei, cliquei e subi a ladeira, depois de treinar fazer voltas e mais voltas num pátio grande do fim da rua.
Eu olho para mim hoje e não acredito que já estou assim. Quando Gal Costa chegou, eu nem sequer saía com ela sozinha até a frente de casa. No dia que tentei fazer isso, caí por cima dela e me machuquei. Mandei fotos contente dos machucados, como uma adolescente quando quebra o braço e pede que escrevam no gesso. Me senti jovem de novo, quem é que tem machucado no cotovelo com 42 anos? Só alguém que está se aventurando por aí. Passou uns dias, tentei de novo subir na Gal e dar partida. Fui indo. Fui empurrando a moto, como ainda empurro, mas agora já estou quase na fase de descer a garagem em cima da motoca.
Tive muitos professores. Um deles era maravilhoso, não me ajudava em nada. Só ficava de longe, olhando. Me observando e vendo o que eu conseguia fazer. Eu não sabia como tirar a moto do lugar, porque eu não sabia andar de bicicleta. Eu não sabia para que lado a moto tinha que ser virada se eu queria levá-la de um canto a outro. Ele não fazia nada, com muita paciência me esperava. E eu ia. Devagar e sempre. Até que um dia eu pedi que ele fosse com a moto dele me acompanhando e ele não foi. Eu percebi, mas continuei indo. E indo. Aí voltei e ele estava lá, batendo palmas para mim em frente de casa. Passei por ele, desci a ladeira que eu nunca tinha descido sozinha. Voltei. Desci de novo. E ele lá, me olhando.
Foi muito importante cada pessoa que me ensinou um pouco e ainda hoje eu aprendo (hoje mesmo um novinho me ajudou a voltar para casa).
E hoje, depois de duas horas de pilotagem, finalmente eu pude usar um Salonpas para uma queda em frente de casa novamente, quando esqueci de ligar a moto.
Meu amigo me diz
você é a única pessoa que se machuca e fica feliz
Vai entender. Eu entendo. Eu amo cada coisa em mim que vocês nem imaginam... eu amo, inclusive, descobrir as coisas que ainda nem sei. E sorrio chorando quando sinto que essas coisas me doem também, mas também me animam a querer mudar.
Se a gente faz uma coisa todo dia, a gente aprende?
Aprende. Eu escrevo todos os dias. Eu assisti um documentário, As faces da beleza, e as moças dizendo isso, de como a gente precisa todos os dias acordar e se falar de amor para nunca esquecer como somos incríveis. Eu a entendo, porque eu também aprendi isso. Me olho no espelho muitas vezes ao dia, a vaidade é uma amiga fraterna. Olho sempre o que tenho e que amo, olho o que não gosto e penso como aquilo é pequeno perto dos 42 anos de vida e saúde que tenho até aqui.
José Nunes dizia
do tempo que eu nasci e ainda estou vivo
José Nunes, aliás, é o nome do carro.
Quando escrevo um post assim, que mostra muito de mim, eu geralmente deixo no rascunho. E alguém pode dizer que eu não mostrei nada de mim, mas só eu sei o quanto tem de mim nas palavras que escrevi aqui, mais até do que quando esbravejo em fim de namoro. Eu sei.
Eu sei que pensava que pilotar e dirigir eram difíceis porque na real aqui dentro eu achava que não eram coisas para mim. Não entendi que a barreira que eu construí em torno da dificuldade em aprender vem dos atrasos que a pobreza e o racismo me proporcionaram. É isso mesmo que dizem, todos os clichês: tudo que a gente viveu faz a gente ser o que a gente é, então eu sou feliz de ser como sou, mas eu reconheço as ausências e o que elas provocam em mim.
E estar aqui, ainda tentando. me dá uma sensação poderosa de felicidade e liberdade tão grande, que a água vem para o olho de um jeito tão besta que nem tem como ficar triste num dia ensolarado de domingo como hoje.
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