Fico curiosa sobre como se fala Xuela.
Leio o livro porque a capa me chama a atenção. A leitura me incomoda mas eu sigo. Xuela não parece preocupada comigo, ela só quer contar que não conheceu a mãe, ela morreu quando ela nasceu.
Ao dizer isso, seu olhar também se volta para seu pai, um homem que, em sendo descendente de escocês e de africana, escolheu o lado dos conquistadores para continuar seu caminho na terra.
Xuela exala indiferença, mas eu sinto dor. Em cada linha em que ela destila sua total falta de compaixão com o mundo à sua volta, alguém pode ver força e resiliência e eu sei que sim, pode ser também, mas a mim não me pega desse jeito. Ser dona de sua vida e tomá-la em suas próprias mãos tem seu preço, que às vezes não tenho certeza se Xuela quer reconhecer, pelo menos não completamente. Esse, para mim, é o grande mistério do livro e o que me faz seguir lendo: Xuela está fingindo que resolveu suas dores ou conseguiu dar cabo dos grandes dilemas da vida? No fim, isso não importa muito.
Não tive medo da nova situação: eu não sabia como ser assim na época e não sei como ser assim agora (p. 13)
Anotei uma coisa no livro na página em que grifei essa frase e escrevo aqui agora:
Eu não senti medo porque eu já havia perdido tudo
Senti outras coisas também. Uma identificação absurda, que por vezes me dava tristeza também.
Falar da minha própria situação, para mim mesma e para os outros, é algo que eu sempre faria dali em diante. Foi assim que me tornei tão extremamente consciente de mim, tão interessada nas minhas necessidades, tão interessada em saciá-las, atenta às minhas mágoas, atenta aos meus prazeres. A partir dessa expressão de dor desfocada, infantil, minha vida mudou e eu percebi (p. 18).
Essa exigência cansativa era apenas uma das muitas que me eram feitas apenas por eu ser do sexo feminino (p. 30).
Outras coisas não me dão tanta tristeza, apenas a certeza de que não estou sozinha.
Naquela época e agora, eu não queria e não quero nada com a redenção (p.34).
Eu só vou copiar uma frase final, que ela repete algumas vezes quase no fim do livro, de várias formas e em várias bocas.
O presente é sempre perfeito. Não interessa o quanto fui feliz no passado, não tenho saudade dele. O presente é sempre o momento pelo qual vivo. Pelo futuro nunca anseio, venha ele ou não: um dia não virá (p. 123).
Fico imaginando Jamaica, que conseguiu ser Xuela e também é Jamaica. Imagino-a como maior do que tudo isso, por poder dizer em literatura sentimentos que podem ser além do que sente, podem ser inventados ou misturados.
Em muitos momentos do livro, Xuela nos lembra: eu não sou um homem. Ela não começa o livro dizendo isso mas, lá pelo meio dele, quando começa a afirmar isso, inicialmente parece uma obviedade. Só que não é. Veja, ela não escolheu dizer "eu sou uma mulher". Ela escolheu começar pelo não para indicar a falta que era, para o mundo à sua volta, ela não ser um homem. É justamente nesse lugar que muitas vezes me sinto viver, começando pelo não.
Vejo que sinto outras coisas no corpo também. Coisas novas e sensuais, diferentes de tudo que lembro que já senti com livros. Sua relação com seus cheiros, com seu corpo, com partes dele, com aquilo que ele produz, me faz pensar sobre como vivo minha vida comigo mesma, quando estou sozinha lendo livros ou tentando pensar no nada (ou no vácuo do tempo entre um pensamento e outro). Xuela desconcerta, desmonta, desafina meu tino sobre as coisas que penso sobre figuras como pai e mãe.
Quando eu termino o livro, sinto como se tivesse vivido num mundo paralelo e ao mesmo tempo real nos momentos em que o li.
Pergunto, O que faz o mundo se voltar contra mim e contra todos de aparência como a minha? Não sou dona de nada, não procuro nada [...] (p. 81).
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