Eu sou muito grata à vida, eu já disse isso aqui várias vezes. E porque? Nos últimos meses, fiquei pensando muito sobre isso. Perguntei à amigas e amigos, por exemplo, se já haviam ficado desempregadas. Muitas disseram sim e me contaram como lidaram com a situação. Eu, desde que comecei a trabalhar para me manter, aos 23 anos - sim, antes eu trabalhava, comecei aos 14 e, de modo intermitente, trabalhei até os 22 anos, para ajudar minha família também - nunca fiquei desempregada. Isso tem um efeito grande sobre mim. Grande mesmo.
Eu não sei o que faria se ficasse desempregada. Isso mexe muito comigo, me afeta muito (talvez seja por isso que fico louca procurando emprego para amigas, falando de concurso, essas coisas). Nunca passei por isso e nem vejo como passar, porque desde cedo dei um jeito de trabalhar em empregos que não me dessem essa dor de cabeça. Sei que poderia não ter dado nada certo mas, por sorte, deu.
Trabalho, para mim, não é a coisa mais importante da minha vida, mas tem um lugar especial porque é com ele que consigo ganhar dinheiro para fazer coisas necessárias à minha sobrevivência. Eu dou valor a isso porque preciso, porque nunca consegui dizer não para o dinheiro que eu ganho com o trabalho. Essas coisas estão relacionadas, dinheiro e fazer coisas porque eu não tive outro caminho na vida. Pode ser que soe aqui que eu valorizo o trabalho além da conta, mas é que eu não conseguiria separar uma coisa da outra, trabalhar e viver. Não dá para mim e eu nem sei se eu queria que desse.
Eu nem acho que a gente tem de trabalhar para viver. Eu gostaria muito que as pessoas pudessem fazer o que quisessem, assumindo as consequências de suas escolhas (apesar de saber que isso nunca é assim, diretamente relacionado. Tinha um mundo em desencanto no meio do caminho, no meio do caminho tinha um mundo em desencanto). Se você quer passar a vida com pouco, tocando violão ou pintando quadros, que viva. Se vai precisar de ajuda e outras pessoas querem te ajudar, que seja. Eu quero dar aulas, quero viajar o mundo e fazer um monte de coisas que nesse mundo eu preciso de dinheiro. Então, tá bom. Não quero fazer nenhuma ode ao trabalho, não. Queria escrever um texto sobre vida, trabalho e expectativas.
Dito isso, volto dizendo que passei por outras coisas, mas não pelo desemprego. E acho que isso manteve de pé uma parte da minha crença na vida, nas pessoas, no amor. Eu fico interessada em saber o que me mantém de pé (você não fica?). Aprendi a lidar com as pessoas sem esperar muito delas na minha vida profissional, porque a relação no trabalho para mim sempre foi outra.
Por não esperar de pessoas no mundo do trabalho - já que essa coisa de puxar saco para continuar no emprego não foi uma tônica, porque eu nunca tive "chefe" - eu aprendi a estar no mundo público de outro jeito. Aprendi a encarar o trabalho como o lugar onde tiro o meu sustento - e, em parte, das pessoas que amo - e não necessariamente um caminho para o reconhecimento. Eu não acredito em reconhecimento profissional. Veja, eu amo ser professora. Eu tenho uma realização pessoal com isso, não profissional. É que esse lance de reconhecimento profissional só serve para manter a ideia de produtividade funcionando à toda num modelo capitalista de sociedade, e eu refuto. Para mim, quando encontro uma criança que lembra de mim na rua, passados três anos que a gente conviveu junto um ano letivo inteiro, é uma coisa tão intensa e animadora que eu não poderia descrever. Isso não me dá mais dinheiro, isso não me faz querer ser pesquisadora qualis A1, isso me dá prazer, algo que eu preciso para viver o tempo todo.
Hoje vejo que a maneira como eu lidei com tudo isso já era um pouco de como eu me movimentava no mundo, na vida toda. Eu aprendi a ser quando saí de casa para ir atrás do que eu queria, até porque, quando fiz isso, quando saí de casa para o mundo, eu fiz também - para não dizer que foi só por isso - porque eu estava apaixonada. Uma coisa foi movendo a outra, eu precisava de segurança financeira para arriscar, então fui, eu precisava controlar, antecipar, programar. Hoje, preciso menos e me permito deixar as coisas acontecerem (ainda racionalizando muito, ainda pensando que eu estou me colocando ali para não controlar tudo, não vem assim, "natural") e que todo mundo possa isso. Acho que posso isso também porque vivi a vontade do controle, o medo do amanhã, porque hoje a vida está mais leve, depois de 40 anos.
E eu desejo que muita gente possa viver o descontrole, o deixar levar, sem doer, sem ser por algo que machuque. Eu desejo de dentro do meu coração.
Essa pessoa que fui, avaliando que seria melhor um emprego e uma vida profissional que me desse estabilidade, tem a ver com a forma como a vida me fez ser, pelos erros, pelas falhas, pelos medos. Eu cresci vendo minha mãe estocar comida, com medo do amanhã, porque de repente ela se viu sozinha, mas tendo que ser responsável por três crianças. Eu nunca passei por isso, mas levei essa coisa de se antecipar, de me programar, para a vida inteira, para todas as áreas da minha vida.
E eu comecei a escrever tudo isso para que, gente? Porque eu fiquei pensando porque ainda acredito. Porque ainda me animo com cada pessoa nova que conheço, com as histórias, com as pessoas velhas que voltam, porque sinto, porque sofro por vontade de amor, de atenção, porque sonho. É que eu sou alguém que aprendeu a esperar pouco de tudo que está fora de mim - sigo esperando muito de mim - e que não posso controlar - depois de ter tentado controlar muita coisa, até mesmo o engarrafamento de São Paulo, aha -, o que me deu mais beleza nos dias. Não é fácil aprender isso, acho que na verdade ainda não sei bem, não, mas já tenho isso como uma das coisas que mais almejo aprender sempre. Continuar a sentir e a viver com essa coisa do não esperar. A yoga me ajuda, a meditação. O amor também.
Minha mãe continua estocando comida e eu, continuo tentando esperar pouco das pessoas. Esperar pouco não é ser pessimista ou maldosa. É compreender a fragilidade humana, saber que o erro das pessoas nem sempre vem porque elas são escrotas ou mentirosas. Eles vem por que vem. Vem porque fazem parte de nós. Delícia é encontrar gentes que erram, que dão mancada, mas que fazem você perceber que são maravilhosas, te querem bem, te fazem feliz, te amam e querem ser amadas. Não fizeram para te machucar, embora possam ter machucado, porque não sabem tudo de tu. E aprendem, encaram o desafio de continuar perto, sem vergonha do erro, com vontade de acertar muito. E conseguem, poxa, conseguem porque a vida é maravilhosa. Conseguem porque você acredita.
As coisas são como são é a frase mais linda do mundo.
Ao esperar pouco, tudo que vem é muito e tão intenso. Tão maravilhoso. As pessoas também, ao verem que você não depositou o peso da sua espera nelas, se acalmam e aos poucos dão o melhor de si. É preciso tempo, paciência. Foi assim que entendi que eu não espero, mas tenho esperança.
Um comentário:
Reflexão bela e profunda. Obrigado, Danae.
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