Você que me lê, me ajuda a nascer.

quinta-feira, julho 23, 2020

Ler, escrever e sonhar.

Em casa de mainha, passo os olhos pelos pertences que ainda estão aqui. Há muitos livros, que faço pacotes para doação sempre que consigo organizar as ideias e lembrar de pessoas que poderiam gostar deles. 

Há uma caixa com cadernos e diários que tive até aqui. Os mais antigos ainda estão aqui, de quando eu tinha nove anos até os trinta anos, por aí. No começo, eram diários, eu escrevia todo dia. Desde os nove anos eu tenho diário, mas nessa época eu não escrevia todos os dias. Não sei bem se era porque eu não tinha como ter um diário que desse conta da escrita (e ainda reaproveitava os diários, escrevendo na página de trás) ou se eu escolhi contar apenas os dias que me pareciam os mais importantes. 

Já com catorze anos, eu passei a ganhar uma agenda no começo do ano, podendo escrever em cada página, o que fazia regularmente, colando papeis de bala e bilhetes com músicas, palitos de picolé, fotografias, tudo que pudesse me lembrar o que eu estava contando. Tenho cinco agendas, que cobriram os anos de 1994 a 1999, época do ensino médio e início da faculdade. Um dia, eu prometo, vou sentar e ler todos esses registros. Eu prometo.

Quando entrei na faculdade, parei de escrever em agendas e comecei a escrever cartas. Eu escrevia muito. Quanto eu falo muito é, eu me comunicava com cerca de dez, doze pessoas e chegava a escrever 6, 7 páginas por carta. Não me perguntem o que eu escrevia. Eu não lembro. Ainda tenho algumas cartas que recebi, que eram tão grandes quanto. Por essas cartas, mantive amizades por anos, que depois conheci pessoalmente. Umas delas estão na minha vida até hoje, como Meggy, que conheci quando tinha 14 anos (eu, uns 20). 

Tenho saudade de escrever cartas regularmente e acho mesmo que vou procurar por pessoas que estão encarceradas para escrever, tenho assistido tantos filmes com pessoas presas que senti vontade de conversar com elas. Nessa época, eu conversava com dois rapazes que estavam presos. Lembro com saudade de nossas cartas. Acompanhei-os até quando mudaram de prisão, mas perdemos o contato (acho que vou ali procurar essas cartas depois que acabar esse texto). 

Depois das cartas, eu inaugurei esse blog aqui. Olhando bem, eu acho que é quando eu menos escrevi na vida! Continuo com as cartas, mas muito menos do que nesse tempo entre 1999-2005. Muito menos mesmo. Tem isso de gostar de escrever, mas carta, se não tem resposta, não tem ritmo, você perde o embalo. Escrevo sem respostas, mas muito menos do que se respondessem. Escrever tem de parar, acalmar a vida, arrumar o envelope, as letras que correm na folha, as ideias que às vezes vem diferentes daquelas que quando você senta para escrever... é gostoso a coisa do som da caneta no papel, o papel, eu gosto.

Mandei cartas de amor para vários cantos do globo. De amizade. Postal. Recebo também. E amo.

Eu já escrevi sobre essa história com escrita aqui mesmo, em algum dia. A coisa toda é, não me perguntem como isso começou. Eu simplesmente passei a escrever o tempo todo. Olhando para esse material, eu consigo entender porque é que a escrita é algo tão próxima de mim. Eu faço isso de modo disciplinado há exatos trinta anos. E o mais engraçado é que quando publiquei a primeira vez em 2009, acho, nunca me disse escritora. Nem hoje eu me vejo assim, quando já tenho mais coisa publicada. Porque?

Porque ser escritora parece profissão de homem e mulher branco de classe média. Não faz parte de mim. Só que, ao mesmo tempo, pode ser porque ser escritora é  algo tão orgânico para mim que nunca vi como algo que eu fiz fora de mim, como um trabalho. É quase como, ao dizer que sou escritora estou dizendo sou Míghian, e eu não preciso fazer isso para mim mesma. Sei que preciso dizer para as pessoas. Ninguém viu meus diários desde os nove anos. Se eu não disser, ninguém vai saber. Então, agora eu digo. Sou escritora. Ainda assim, não sou escritora de profissão, não é isso. Sou escritora porque escrevo.
 
Sentar, escrever. Escrever enquanto espero alguma coisa, escrever para entender o que se passa. Descrever. Eu sinto prazer e escrevi isso num dos diários com 14 anos e 5 meses:

O que você mais gosta de fazer?
Ler, escrever e sonhar

Eu acho que continuo achando a mesma coisa hoje. 

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