Eu deveria escrever algo sobre as eleições enquanto tudo estava fervendo, defender minhas posições aqui, tudo como manda o figurino. Mas fiz mais campanha pelo Twitter e no corpo a corpo, na conversa de todos os dias.
Desde que voltei de Salvador, um dia depois do primeiro turno, falava da eleição com todo mundo que conhecia. Ainda em Salvador, ao ver o resultado, decidi que iria conversar com todas as pessoas que pudesse, assim que chegasse em São Paulo, sobre o resultado nas urnas. Comecei logo cedo, às 6h da segunda-feira, com o cobrador de ônibus que atende a linha Cidade Universitária. Ele estava descrente, apesar de ser Dilma. Eu falava alto, gesticulava, com meu adesivo #DilmaCoraçãoValente no peito. As pessoas do ônibus olhavam, umas bufavam, outras prestavam atenção. A maioria das pessoas que pega o ônibus para ir cedo à universidade são funcionários públicos ou terceirizados, e era com eles e elas que eu queria falar mesmo. De algum jeito, arrumei um palanque.
O cobrador descrente me dizia que não tinha certeza da vitória. E eu dizia que para Dilma ganhar, ele precisaria votar nela, que não era uma coisa que as outras pessoas decidiam. Desci do ônibus e continuei a conversa por onde passava.
Depois, durante os dias que se seguiram, durante as viagens de ônibus, minha técnica era pegar o telefone e fingir que conversava com alguém, falando sobre política. Falava coisas que eu havia lido nos jornais e fazia minha crítica, conversando com ninguém. As pessoas fingiam não ouvir, mas eu sei que, como disse minha professora, as pessoas em São Paulo fingem que não estão vendo nem ouvindo, mas sabem contar tudo que aconteceu ou ouviu numa conversa do banco da frente. Descrevem com detalhes até a roupa das pessoas, tudo olhando por baixo. Isso foi ela quem me contou, paulistana convicta.
Uma outra técnica era conversar com todas as pessoas. A moça aqui na faculdade achou interessante minha abordagem com o moço da agência de viagens onde eu compro minhas passagens regularmente. Perguntei o que ele achava da eleição e em quem votaria. Quando me disse que estava indeciso, conversei e falei tudo que achava sobre o governo, incluindo o aumento da malha aérea, os subsídios dados, as pessoas viajando etc. Conversei com todas as pessoas que pude. Todas. E achei ótimo.
Lembrando disso, lembrei que uma colega disse que amigos e amigas nas redes sociais reclamavam que suas argumentações para as pessoas votarem no PT eram tão capitalistas quanto as da direita. Gente pobre comprando carro, mudando de casa, comprando eletrodoméstico... ela disse que era bem verdade que de onde a gente vinha as pessoas estavam com um poder aquisitivo maior, e que eram eles que deveriam se envergonhar porque foi preciso um governo do PT para que pessoas tivessem subsídio para comprar uma casa, necessidade básica de um ser humano. Se isso era ser de esquerda no Brasil, imaginemos então o que quer a direita brasileira.
As pessoas estão comprando mais? É só isso que o pessoal consegue ver com o aumento da distribuição de renda no Brasil?
A gente está falando de dignidade, e parece que isso tem a ver com dinheiro, num mundo capitalista. Parece, mas eu ainda tenho minhas dúvidas. Porque eu acho que é preciso primeiro fazer parte para depois escolher se eu quero ou não fazer parte. É basicamente isso que estou fazendo agora, quando posso escolher se quero ou não ter um carro. Ninguém - repito ninguém - da minha família nunca teve carro e eu hoje, por motivos pessoais, não quero ter um. Mas eu POSSO ter um. Entendeu a DIFERENÇA? Diferente do resto da minha família, por GERAÇÕES, que nunca puderam ter, hoje eu posso escolher.
O capitalismo não lidava com a ideia de que pessoas não fariam parte desse mundo e falava de todos como participantes do mundo social. Mas isso não é real, pelo menos não aqui. Bom, mas o capitalismo também não falou de raça. Então eu não sei se ele serve para explicar o Brasil. Ter dinheiro para comer, morar numa casa decente e poder estudar sem se matar de trabalhar. Se isso é capitalismo, me conta qual a aula de história que eu perdi.
Depois, a moça que mora comigo numa moradia estudantil questionou a Bolsa Família. Questionei a ela sobre as bolsas que recebia, a saber, bolsa-moradia, bolsa de estudos, bolsa-alimentação... todas estas bolsas eram programas sociais de assistência estudantil, e eu queria saber em que elas diferiam da Bolsa Família (a diferença é que ela recebe dez vezes mais que uma criança para estudar, dez vezes mais do que uma pessoa que precisa do dinheiro para, basicamente, COMER). Fiquei irritada. Aliás, irritadíssima. Dava vontade não de mandar ela ler isso aqui, mas de tacar a revista na cabeça dela. E, só pra constar, eu também vivo de bolsa. Por isso, eu tenho asco dessa conversa de ser contra Bolsa Família. Benefício? Para os outros nunca, né?
Como diria Milton Santos, "a classe média não quer direitos, a classe média quer privilégios" (no documentário Por uma outra globalização, 2006).
A moça da agência Bloomberg na Paulista no domingo na entrevista perguntou de que classe eu era. Eu disse pobre, ela ficou acanhada de escrever pobre, como se fosse feio, como se fosse palavrão. Deve ter achado estranho eu dizer que era doutoranda e era pobre (é, difícil mesmo, pobrenegramulher - e isso que inventaram no Sudeste, "nordestina" - doutoranda?). Eu disse, "pobre, põe aí, sou pobre". Ela queria botar classe média baixa, isso pra mim é palhaçada. E eu deveria ter dito: Não sou miserável, sou pobre. É diferente. E eu vou te dizer porque não sou classe média. Minha família não tem nenhum bem, nenhuma herança. Ah, compramos uma casa faz cinco anos, mas não temos dinheiro para tirar a escritura. Quer mais? Eu não tenho internet em casa, não tenho carro nem viajo para "Europa" uma vez por ano. O dinheiro que recebo como bolsa ajuda minha família, não é para comprar livros e assistir peças de teatro. Quer mais?
De todas as pessoas com quem conversei, eu ficava esperando críticas mais contundentes ao governo, mas elas quase não vieram. Na verdade, elas vieram mais de quem votava Dilma. Quem votava Aécio falava de "alternância de poder". Eu pensava "não fala isso para uma pessoa como eu que teve antepassado escravizado... vamos alternar 'esse' poder?". Falava de corrupção na Petrobrás. Eu respondia dizendo: "E você, vota em Aécio para que a gente não tenha mais Petrobrás?!". Falava que o Brasil ia virar Cuba (nem preciso dizer que com esse argumento eu sambava na cara da pessoa, né? Faça-me o favor, é muita desinformação. O Brasil está longe - infelizmente - de virar Cuba, para o "mal" e para o "bem")
De todas as pessoas com quem conversei, eu ficava esperando críticas mais contundentes ao governo, mas elas quase não vieram. Na verdade, elas vieram mais de quem votava Dilma. Quem votava Aécio falava de "alternância de poder". Eu pensava "não fala isso para uma pessoa como eu que teve antepassado escravizado... vamos alternar 'esse' poder?". Falava de corrupção na Petrobrás. Eu respondia dizendo: "E você, vota em Aécio para que a gente não tenha mais Petrobrás?!". Falava que o Brasil ia virar Cuba (nem preciso dizer que com esse argumento eu sambava na cara da pessoa, né? Faça-me o favor, é muita desinformação. O Brasil está longe - infelizmente - de virar Cuba, para o "mal" e para o "bem")
Para terminar, eu acho, sobre toda essa coisa que é a vida em São Paulo sendo baiana, todo o debate que se tem sobre Nordeste-Norte em São Paulo eu não falo novamente aqui porque já falo muito. Estou cansada de falar disso nos posts, xenofobia e preconceito, de raça e de origem. Nos últimos dias, tenho me sentido "tudo bem se você for baiana, mas fica quietinha, não fala alto, pra gente gostar de você". E saio com um camiseta "Sou baiana" com adesivo do PT, calça colorida e cabelo crespo, falando alto e gesticulando muito, mas tudo isso sou eu, não queria ter que pensar sobre essas coisas da hora que durmo até a hora que acordo, queria ser eu sem precisar ficar me explicando. E as pessoas mais próximas que PRECISAM lidar comigo ficam com um risinho hipócrita na cara, não suportam diferença, precisam de alguém que querem ser iguais à elas, ficam perdidas.
Nunca fui militante do PT. Nunca me filiei por assim dizer. Militei no movimento estudantil e no Movimento Sem Terra na época da graduação e hoje estou mais próxima do Movimento Negro do que tudo, mas tenho muita vontade de voltar para militância no MST. A questão, nesta eleição, não era de, com o voto, dizer SIM a tudo que o Partido dos Trabalhadores tinha feito nestes doze anos, mas dizer NÃO ao projeto político do PSDB.
Não vou me alongar a porque eu digo NÃO ao projeto político desse grupo. Só vou falar que sou contra a redução da maioridade penal e só por isso, poderia ficar aqui por muitas linhas dizendo porque eu nunca me alinharia a este grupo.
Alguns colegas me disseram estar puto com o PT, decepcionados. Eu nunca me decepcionei com o PT. Nunca pensei que eles resolveriam todos os problemas do Brasil de um jeito COMPLETAMENTE diferente dos que os que lá estavam. Existe um jeito de fazer a coisa que não dá para mudar só com a entrada de um partido que tem um projeto diferente do que existia pro Brasil. Muitas pessoas viam Lula como salvador de uma pátria, alguém que mudaria a história da nação brasileira. Mas o que eu acho engraçado é que a maioria das pessoas que se disseram decepcionadas com o PT pouco ou nada fizeram para que o Brasil realmente melhorasse. Votou nele e ficou em casa, assistindo TV', reclamando da vida, mesmo tendo tido oportunidades na vida que estão diretamente relacionadas ao governo que temos.
Algumas pessoas decepcionadas com o PT não fizeram revolução armada (pelo menos eu não fiquei sabendo de nada). Muitas delas fundaram outro partido, indicando que continuam acreditando que este modelo que temos é o melhor - ou o menos pior - para fazer acontecer uma mudança no País. E essas mesmas pessoas que fundaram um partido vem cobrar de mim e de um monte de gente que votou em Dilma mais coerência. E eu pergunto a elas se elas REALMENTE acham que, se por ventura algum dia o partido delas chegar à Presidência, ele será perfeito. Eu realmente quero viver para ver uma disputa presidencial onde os grupos de direita sejam banidos pelo povo da eleição. E eu gostaria muito que um outro partido de esquerda chegasse lá. E aí, a gente vai começar de novo, a descobrir que é muito diferente estar fora e estar dentro.
Tudo isso aqui eu digo baseada numa política que aí está. Não é certo dizer que eu acredito em mudança sem sangue, suor e lágrimas. E também não acredito que países do tamanho do Brasil conseguiriam fazer isso com facilidade. Anarquia, eu concordo, mas não sei se num país de tamanho continental segura isso.
E eu votei Dilma pela Dilma, como disse Chico Buarque, porque ultimamente tenho gostado mais dela do que de Lula. Não acho que o governo dela foi melhor do que o dele, mas eu aposto que o próximo será melhor, porque eu estou convencida de que preciso voltar à política com mais intensidade. É precisamente porque quero trabalhar mais que acho que esses próximos quatro anos vão ser melhor! Prefiro uma mulher na presidência, prefiro uma mulher negra (que assuma que seu compromisso social passa também por isso!). Vou viver pra ver isso acontecer também.
Sou Dilma, porque não sou Aécio. Never. Sou Dilma, porque quero construir outras formas de política para o Brasil. Sou Dilma, porque como eu, como a vida, ela não é perfeita.
Sou Dilma, porque não sou Aécio. Never. Sou Dilma, porque quero construir outras formas de política para o Brasil. Sou Dilma, porque como eu, como a vida, ela não é perfeita.
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