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sábado, janeiro 01, 2011

Inconstitucionalississimamente.

Foi de repente que ela descobriu. Sem querer, veio de uma vez. O gozo e a lembrança da palavra enorme, saindo assim, devagarinho, naquela voz meio fanhosa de um homem que não falava direito o português. Maravilhoso, foi o que ele tentava dizer, e ela gozou. Coisa que fazia tempo na vida.
Ficou com isso na cachola por mais de semana. Mas não queria ligar para o tal homem e chamá-lo para sair com a desculpa estapafúrdia de querer descobrir se gozava polissilabicamente. “Polissilabicamente”, pensou, “essa palavra nem deve existir, tamanho gozo”. E foi o que realmente sentiu, fim de tarde, ali no escritório, quando pensou no tamanho da palavra. Foi ao banheiro e ficou achando ridículo tudo aquilo, suando e pulsando de tesão por palavras com quatro sílabas ou mais.
Precisava antes ter certeza. Mas como, perguntava-se. Pensou em contar para Marília, de todas a única amiga que gozava todas as vezes que transava com o namorado, ex-contador agora dono de padaria, com Marília poderia falar de gozo sem pecado, sem invejas ou coisas do tipo, ela entendia das coisas. Ou pelo menos dizia que entendia, não dava nunca para saber. Mas não, ia dizer de seu não-gozo por quase dois anos e depois a descoberta de que simples assim, bastava um “fantástico”, “estonteante”, para que ela viesse ao delírio?
Resolveu fazer um breve estudo de caso naquele domingo. Trancou-se em casa e em frente ao computador começou a digitar todas as palavras polissílabas que lhe vinham à mente. Paralelepípedo, negritude, deliciosa, envolvimento, inconstitucional, não conseguiu ir em frente. Seus seios entumescidos mais duros ficavam a cada palavra e sentia uma quentura entre as pernas difícil de controlar. Respirou fundo e começou a falar em voz alta todas aquelas palavras e mais algumas que conhecia: descobriu que qualquer palavra, qualquer uma delas com mais de três sílabas fazia seu fogo crescentemente aumentar. Não saiu naquele domingo, e atrasou-se na segunda, deixou-se notar que havia sempre uma palavra polissílaba procurando abrigo no corpo de uma mulher desgostosa.
Não conseguiu parar. Passou todo o tempo relembrando palavras. E durante a semana especializou-se no tema. Descobriu que gozava mais, e melhor, com palavras de sílabas mais abertas: arreganhada, esbodegada, escancarada, despudorada, essas eram o ápice. Mas não negava fogo às palavras mais discretas, armadura, pertencimento, cabelereiro, indiferente. Inventando combinações e com palavras desconhecidas, com essas sim gozava lentamente, não que isso fosse ruim. Qualquer gozo é sempre um gozo, isso também descoberta. Encontrou na internet, navegando em hora extra, um dicionário só com palavras polissílabas. Encomendou no ato, recebeu um dia depois. Passava noites treinando, finais de semana extasiada.
Feito isso, achou que era hora de encontrar-se com o tal homem novamente. Agora, sabia o que queria e o que a fazia feliz. Alimentava seu gozo com palavras, e, quanto maiores fossem, mais gozo tinha. Certo que gozava só com polissílabas. E com cada uma delas, com todas as que tinha conhecido, tinha uma relação intensa, passional. O homem veio, atendendo aos seus pedidos. Ele não sabia de nada, e ela divertiu-se por um bom tempo, já que ele realmente achava que tinha o controle da situação. Ele em seus ouvidos era só maravilhosa, gostosíssima, sedutora, e ela correspondia sendo mais romântica, mais selvagem. Ele gostava, ela gozava. E foi quando ele começou a chamá-la deliciosamente de superwoman que ela entendeu que palavras polissílabas em outras línguas também faziam efeito. Não eram mais nem menos, mas produziam sensações diferentes, que ela ainda não havia conhecido. Talvez nisso aí, nesse intertíscio de coisas entre a palavra dita numa língua para ser entendida por quem fala outra é que se escondesse o amor que ela lhe dedicou, estava apaixonada, de modo único, monossilábico, para não perder o gozo.
Vivia sem saber se contava para o homem de seu amor, mas vivia também a ideia de que tendo seu segredo revelado, o gozo não seria assim tão perfeito. Ele aceitou compromisso, ele também era feliz com ela, era o que ele tentava lhe dizer naquele português arrazoado. Ela nunca compreendia por que se apaixonavam por ela, mas dessa vez aceitou o amor, por que bom, por que misteriosamente lhe fazia um bem sem precisar explicação. Mas o segredo, ah, o segredo, ela não queria se desfazer, por medo de se acabar, ir minguando e fim.
Mas já se passavam anos e tudo ia bem, gozo e palavras não lhes faltavam, ele sempre aprendendo mais e mais, ela de modo particular ensinava-lhe polissílabas, ele achava que era absolutamente comum um estrangeiro comentar o cotidiano valendo-se de palavras polissílabas, isso não era assim uma coisa tão ruim, tinha até certa erudição.
Ela disse, enfim. Não num dia especial, depois de um jantar à luz de velas. Disse assim, disparando palavras como uma metralhadora. O homem ficou desapontado, desesperado. A ideia de que qualquer pessoa ou mesmo ela, sozinha, poderia fazê-la gozar loucamente como ela havia gozado durante aqueles dois anos fê-lo imaginar-se obsoleto, descartável, imprestável. Ela não poderia desenganar-lhe. Seu pensamento tinha boa fundamentação. Foi aí que uma tal palavrinha, de poucas letras e quase uma sílaba entrou em ação: amor, amor, amor.
Ela tentou dizer-lhe pouco importavam todos os homens do mundo e suas palavras enormes na manga. Havia algo nele que o fazia especial, era o tal amor, colorido, desejoso, instigante. Era tudo isso, e não (só) as palavras que faziam dele o homem da vida dela, completamente. Completamente, só por ser palavra polissílaba, para também gozar no fim.

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