Você que me lê, me ajuda a nascer.
sexta-feira, agosto 29, 2008
Durma com um barulhos desses.
Agora aguente.
Peguei o livro do Ler e Escrever - Livro de Textos do Aluno, do programa estadual Ler e Escrever, para as séries Iniciais do Ensino Fundamental. Achei estranho por que ali haviam muitas cantigas de roda que eu conhecia, do meu tempo, da minha cidade, da minha infância. Coisa como
a pombinha voou, voou
caiu no laço
se embaraçou
ai, me dá um abraço
que eu desembaraço
a minha pombinha
que caiu no laço
Quase chorei quando li essa canção, senti até o cheiro do quintal de casa, eu cantava quando tinha uns cinco anos... os gestos... cantei logo que o ano começou para as crianças, depois tinha
dá um remelexo no corpo
dá uma umbigada na outra
Fiquei intrigada, tinha até
o vapor de Cachoeira (de São Félix, recôncavo baiano) não navega mais no mar
Fui ler as letrinhas miúdas, e descobri. O tal livro é cópia resumida dos livros organizados para o Projeto NORDESTE de Leitura, um projeto de lá de riba. Aha, quase caí da cadeira. Mas ora vejam só, São Paulo copiiia um projeto (que deve ter dado certo, senão, não copiariam) nordestino e depois fica por aí, arrotando superioridade (o jingle do Alckmin grita nos nossos ouvidos: São Paulo é a melhor cidade do Brasil!). Superioridade de quê? Nem copiar sabem, por que as músicas tem a ver com as crianças que moram por ali, sabe, falam de mar, terra, são cantigas de roda e parlendas do Nordeste. Não que as minhas crianças não possam aprender isso e não tenham que aprender, conhecer, mas a gente imagina que um projeto de leitura da melhor cidade do Brasil seja pelo menos adequado à realidade das crianças que aqui vivem, e, assim, partam do lugar de onde elas vivem para depois chegar no mar, no cheiro do rio, no vapor de Cachoeira.
Aí juntei isso com o fato de que toda vez que recebo uma criança que vem de alguma cidade do Nordeste, na segunda ou na terceira série (e algumas vezes na primeira), ela já sabe ler. E uma aluna minha, que pelejava para aprender a ler, passou um mês na casa da vó, interior da Bahia, voltou corada e bonita e feliz e lendo tudinho. Vai juntando as coisas, não sei o que é, mas só sei que é assim. Eu mesma aprendi a ler com cinco anos, mas isso é coisa que dá outra história, depois conto.
Ler as letrinhas miúdas é a melhor coisa do mundo. Eu sempre faço isso. Ehe.
E ontem, chorei quando terminei de ler Do Silêncio do Lar ao Silêncio da Escola, de Eliane Cavalleiro. Livro que retrata o racismo, o preconceito e a discriminação sofridos por crianças em Educação Infantil numa escola municipal em São Paulo, lá pela década de 80. Trabalhando com Educação Infantil na cidade de São Paulo, milênio dois, posso te dizer que pouca coisa mudou. Foi por isso que ouvi dia desses uma professora do meu lado chamar uma criança de filhote de urubu e a outra de leitoa,
amigavelmente, brincadeira
E eu, que reclamei e falei para ela não fazer mais isso, sou a louca, a racista, a agitadora das multidões.
Durma com um barulho desses, e depois diga que dormiu bem.
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