Você que me lê, me ajuda a nascer.

sexta-feira, março 07, 2008

Yo.

Ele me chamou, nos chamou, no ônibus, eu desci. Meio da Rua Augusta, desci, desci, nem pensei. Qualquer coisa se não valer a pena eu tenho um bilhete único, não perco a sessão do cinema, é isso. Mas ele valia a pena, falava yoruba e vinha da Nigéria, com mais um amigo conhecia das coisas do candomblé e era de Ogum. Me olhava com olhar doce e dava vontade de ficar do seu lado só pra ouvir ele dizer num português arrevesado, eu djhuro Me deixou, eu subi a Augusta. Aliás, eu a-do-ro subir a Augusta vindo da República, adoro tomar o ônibus ali na Ipiranga perto do bar Brahma, que por sinal estava cheio de brancos e brancas e quando eu preta mais uma amiga preta chegou parecia coisa de outro mundo, mas voltando ao percurso eu adoro aquela rua ali, vai saber, cheira a coisa velha e acabada, eu gosto-gosto. Mas tenho que dizer que antes de subir a Augusta um branco bebum parou diante de nós, pretos e pretas que éramos rindo e ensaiando inglês, yoruba e português, parou pra dizer que a gente era foda, que o nosso povo era foda, que merda de gente branca que não entendia isso, ou entendia e enraivecia, vai saber, e veio abraçando, todo mundo da rua do outro lado da calçada já olhando, e quem passava de carro ou parava também nos olhava, que coisa é essa, quatro pretos lindos todosjuntos é coisa que não se entende, né branco, foi quando ele disse, esse moço que parou aqui, isso é um sinal que a gente vai se ver de novo. E a gente se viu de novo noite adentro, e depois foi o domingo com nigerianos que moram perto da minha casa, com visita no domingo e comendo comida típica de lá, olhando o rosto deles com as marcas de onde vieram, e eles cantavam e dançavam eu também dancei e me disseram, você é africana e eu disse, você é baiano. Ele sorriu. Queria dizer tanta coisa, queria tirar foto de quando ele comeu com a mão, queria comer com a mão também pra mostrar pra ele que eu sabia, mas não fiz nada disso. Disse pouco, e me emocionei boba quando ele disse, você vai conseguir, mas não é por que eu vi nada, não é por que eu senti nada além, é por que você quer e você vai conseguir, não é por Alah ou Ogum. Olho marejou, fui embora. Ele só não entende por que eu pago a conta e sou viciada em cinema. Tenha paciência comigo, ele disse. E disse também, numa noite dessas sonha pra mim Não sonhei pra ele, mas dormi sorrindo.

Nenhum comentário: