Você que me lê, me ajuda a nascer.
quinta-feira, março 13, 2008
08.03.2008
Solidão étnica, já ouvistes falar? Poético, né? É, mas dói. Dói. Maria Nilza da Silva em seu doutorado cunhou a tal expressão e eu achei bom botar aqui assim, pra que vocês saibam que toda mulher preta que bemsucede passa por isso. No livro Gostando Mais de Nós Mesmos: perguntas e respostas sobre a auto-estima e questão racial, publicado pela Ed. Gente em 1996 já se dizia
Em geral, esses homens (negros) não são sensíveis às mulheres negras nem estão disponíveis para relacionar-se com elas (mulheres negras)
E aí eu vejo um monte de muié se lamentando, no meu pé reclamando que o moço não ligou, que a faz sofrer. É assim, gente, os zômi são sujeito esperto como nós, eles sabem bem como pisar no coração de uma mulher, não por que já foram mulher mas por que sabem que somos de um jeito que quando apaixonamos arriamos tudo e então é por ali que ele vai te pegar, por que não tem mais aquilo de te pegar pelo dinheiro, pelas contas pagas, nada disso, então ele vai querer continuar dominando tudo mas como, só se for arriando o seu coração, e quando ele descobre que dá certo, que tu fica triste, que tu abaixa a cabeça uma vez aí já viu, não tou dizendo que tem que ser má, só tou dizendo o que acontece, os zômi tão certo, as muié também, e assim a vida vai, e não que eu nunca tenha feito isso, só estou discorrendo sobre o assunto e dizendo que eu sei disso, o que em suma não adianta muita coisa, mas vamos lá.
Prefiro ficar sozinha agora. Escolhi amar um homem que nem entende o que é isso que eu sinto, mas talvez o escolhi pra resolver um problema meu, de não querer ficar sozinha de todo, né? Ainda não sei, mas hoje, quando recusei pela segunda vez essa semana ter alguém pra sorrir quando abrisse os olhos tive alguma certeza, aquilo que eu sinto por ele tem algum fundamento, eu digo não e penso nele, bendito crédito que acabou no dia de hoje e não me permite fazer loucuras como declarações mil no meio da noite.
Não quero criar vínculos nessa cidade, por que quero ir embora. Já tenho gente demais para amar aqui, e vou sofrer, como sofro longe de todos de lá. De lá, de cá, é sofrimento que não acaba, mas é alegria que não tem mais fim também, o que fazer com isso, sensações todas que me tomam, eu só sei que me recolho e me escondo por que quero, eu sei, tou fazendo de caso pensado, o que não melhora as coisas, mas enfim, eu sempre digo a verdade, pelo menos a minha. Sabotagem, eu adoro essa palavra, auto-sabotagem, e eu quero que você se toptoptop.
Eu achei que era poesia, mas tava escrito num livro acadêmico-rebuscadinho
Toda razão (logia) tem uma filia (sentimento)
E depois tem outra frase, que Ed leu pra mim hoje, do Miguel Sanches Neto
Escrever é como caçar caranguejos
À maneira do guaxinim
E sabe, você só vê os defeitos da outra pessoa que estão também em você, caso contrário você não saberia nominá-los assim tão na bucha. Quando descobri isso fiquei mal e triste por ver o quanto eu sou uma pessoa que precisa melhorar muito.
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09.03.2008
Ontem sentada num bar com duas pessoas quase desconhecidas (leiam meu blog, gente, uma vez eu disse que São Paulo é a cidade dos encontros fortuitos e fugidios) em plena Paulista em obras, um garçom veio e uma delas, mocinha de Capivari perguntou, com o cardápio na mão perguntou
o que vocês tem?
O garçom com uma cara cansada disse
o que tem aí,
E apontou com o queixo na direção do cardápio. Eu ri, na hora, e peguei no braço dele, dizendo
Nossa, tu é demais, é isso mesmo, tá aí
Ela hesitou um pouco e disse, já rindo
que pergunta mais cretina eu fiz
No que vem o paulistano, nascido e criado em São Paulo, e acrescenta
Ô amigo, numa boa, pro teu bem, vou te dizer, não responde mais assim não. Agora se eu quisesse eu poderia levantar e ir embora, só pelo jeito que você me respondeu
O garçom nem se abalou, eu continuei rindo e puxei papo com ele, contei do caso do paulistano colega que chegou em Porto Seguro e se irritou por que numa lanchonete pediu um suco de frutas e a mocinha respondeu
ah, mas vai ter que fazer, moço...
Ele riu comigo enquanto o paulistano dizia que falava desse jeito por que as pessoas são mal-educadas mas não toleram falta de educação com elas, que paulistano é assim, que São Paulo é perversa, mas aí eu perguntei, mas a cidade é feita de gente, né, então o paulistano é perverso e ele disse sim, e então só de sacanagem eu emendei tu também é, e ele confessou, é, eu também, pronto, é isso aí, fechou o círculo.
Por isso que eu fico com a resposta das crianças. Minha aluna, a gente falando de planetas, saiu o papo de vida em outros lugares, e ela, no alto dos seus nove anos bem vividos me responde com toda a segurança do mundo
mas é claro, né, se tem vida aqui por que não vai ter em outros lugares?
Ficamos discutindo esse assunto e ela se achou no direito de levantar do lugar dela e me perguntar
será que eles não são terroristas, professora?
Eu adoro essa menina. Precisa ver quando ela precisa ir ao banheiro. Me diz
estou apertadíssima, professora.
Assim, apertadíssima. Vê se eu agüento.
Mas bonitinho é aquela outra, que quando eu disse que precisava de carinho por que não estava bem, me abraçou forte e disse
precisamos ficar juntas
Como se já tivesse nascisdo poetisa, com oito anos e me ensina a viver. Toda prosa na poesia. É só pra ouvir frases como essa que eu acordo cedo, trabalho e não ganho quase nada. E pra terminar, mais um: eu lá na frente perguntando,
é ou substantivo ou adjetivo, gente?
E levanta o mocinho
é subjetivo, professora
Me ensina, o que você responde depois de uma dessa?
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Tem uma frase
a palavra me persegue
Eu vejo essa frase o tempo todo na minha cabeça, dentro e fora de mim. Olho para os lados e vejo pelo canto do olho as letras saindo de fininho, palavra, persegue, me, a. É possível ser atormentada pela palavra, nascer e morrer por ela, viver e se alimentar dela? Estarei louca ou a palavra me persegue? Leio coisas e coisas e elejo coisas e coisas para mim, uma palavra ou outra eu pesco aqui e ali, mosaico de vida que nunca se apresenta inteira, dá vontade de continuar aqui só pra ver como vai ser, se tem final.
Mas como disse o vô de Laranjeira, moço do Nordeste de Amaralina que mudou pra Ilha de Itaparica ainda menino e agora mora em São Paulo
eu só acredito que tô morto depois que eu morrer
Melhor assim, não? Eu fico com a resposta das crianças, mas com a beleza dos vincos no rosto dos velhos.
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Sem querer desci na frente do cemitério da Consolação. Nunca havia entrado ali,
aproveitei. Cemitério. Na hora veio na minha cabeça umas fotos de uma exposição que vi no ano passado na Caixa Cultural, sobre o dia dos mortos num lugar na África. As pessoas fazendo festa em cima dos túmulos, tomavam banho, pintavam a cara, dançavam, era divertido. Invocavam os mortos, dançavam com eles/as, agradeciam. Muita gente sabe que meu irmão morreu. Morreu, gente, odeio eufemismo como falecimento, faleceu, essas coisas. Morreu, sinto falta, choro, mas morreu. A morte nunca foi um problema para mim, na minha família ela foi tratada como algo muito simples, até por que nunca perdemos ninguém tão próximo. Tenho uma outra idéia de vida, de morte. A gente cresce aprendendo a ter uma visão ocidental de tudo aquilo que nos acontece. Deixemos então que outras pessoas e culturas nos ensinem a viver, por que de certo na vida, só a morte. E por que cargas d’água ainda assim dói tanto?
Ele morreu. Não está aqui como eu estou. Mas está de outro jeito, em outras coisas, pessoas e caras. Está em mim. Por isso acho perfeitamente comum lugares onde as pessoas comem seus mortos. Nada mais natural querer engolir um pedaço daquilo que mais se ama, levar dentro, fazer com que vire parte de nós, estomago, pele. Maluquice?
Uma amiga me contou uma coisa, um brasileiro no cemitério viu um japonês pondo arroz em cima do túmulo do parente, o brasileiro começou a rir e perguntou
quando é que o seu parente vai vir comer o arroz?
E o japonês:
no mesmo dia que o seu vier cheirar as flores que você trouxe
Me deixe passar com a minha dor.
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você tem baixa-estima
Me disse o cara ontem quando eu recusei o convite dele para vir aqui em casa. Eu disse não, eu sei que sou linda, de verdade, me amo até demais, mas não disse o resto, não disse tudo que penso, que eu penso que só tem uma pessoa no mundo agora que merece tocar meu corpo, sentir meu cheiro, beijar meu sorriso. Por que eu sou tão especial que eu não posso ficar por aí assim, mas nem é por que ele não era um cara legal, mas sim por que agora eu sei que Elee* existe e então as coisas começam a se complicar.
Elee* é a única pessoa que me merece. Pena que as coisas não sejam simples sempre.
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12.03.2008
Mais uma, garçom.
Você lembra da sua primeira decepção amorosa? Aha. Meu aluno chega hoje na sala, nove anos, boné no rosto, cara triste; olhando pro chão, profere as seguintes palavras:
não quero mais ver o mundo
Todo mundo pergunta porqueporqueporque. E ele
Todos têm seus motivos
Chego nele e falo
aí, quando você quiser conversar, tamos aí.
Ele assente com a cabeça, me diz que só vai olhar pra lousa e nada mais. Vai sentar. Passado um tempo, chamo-o e faço a pergunta fatal:
é dor de amor?
Ele ainda olhando pro chão me acena um sim, eu mando:
é a...
é, professora. Ela me mandou um bilhete de volta, dizendo que gosta do...
Nessa hora, tira os olhos do chão e me encara, olhinhos miúdos, olhinhos pedindo ajuda, como fazer com essa coisa que não se sabe o que é mas também não pode ser o que dizem, como saber o que é amor, o que é delírio, afinal eu tenho nove anos, não pode, né? Penso que ele pensa tudo isso mas não sabe me dizer, como no dia que perguntei se tinha entendido a lição de Matemática e ele me disse não e eu disse o quê, e ele disse
não sei dizer o que não entendi, professora, por que não entendi. Entendeu?
Pergunto o que muda ela escolher outro cara, o que ele queria com ela, o que ele poderia ter com ela
eu posso arrumar um emprego, tem uma moça lá na rua que contrata criança de nove anos
diz meio choroso
Me assusto, continuamos conversando, eu dizendo pra ele que acontece, que nem sempre quem a gente gosta gosta da gente, e falo
eu também gosto de um cara que não gosta de mim, isso acontece, e eu tou aí, viva
Ele aos poucos vai olhando firme para os lados, eu emendo
e depois, se você ficar desse jeito ela vai ficar mal
é isso que eu quero, fessora, quero que ela saiba que eu fiquei mal
mas não seria melhor você ficar numa boa, e então ela ia pensar, nossa, que menino legal que ele é, divertido e coisa e tals, perdi de gostar dele como ele gosta de mim
Ele senta, vai pensar, pensar.
Nos encontramos na escada da escola, ele indo pro banheiro, eu ainda insisto
sabe, gostar de alguém tem que fazer bem, não pode fazer mal, gostar é coisa boa
E ele dispara
eu sei, professora. Só quero saber o que eu vou fazer com as outras 24 cartas que escrevi pra ela
Respiro fundo e
manda pra ela, são dela, ela vai gostar de receber
Ele parece concordar comigo e me entender. Somos solidários um ao outro. Temos um segredo que selou para sempre nossa amizade de professora e aluno.
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mighdezanos.
Longe de casa, 10 anos, e essa cidade me atravessa. Saí de casa pra estudar faz exatos 10 anos, e nunca mais consegui voltar. Ou nunca mais quis. Dizem que não quero. Eu digo que não posso, não devo. Não agora. Passou, passou. Passou? Não sei, são 10 anos de tanto de mim e tanto de me aprender. Tem dias que quero ficar só, como hoje, escrevendo, escrevendo. Ouvindo música (Jill Scott, ouça você também), remexendo a poeira dos livros e coisas, do coração. Solidão, não sei direito o que é. Às vezes eu sinto, mas não é sempre que estou sozinha que é ruim. E nem sempre que estou acompanhada quero companhia, então é coisa de doida se eu disser que não estou satisfeita com meus dez anos longe de casa, feitos de sólidão, sódade e sórrisos. Tenho conhecido mais de mim do que eu poderia prever, e adoro saber mais e sempre de mim, mais que antes, sempre mais mas nunca o suficiente que eu não possa suportar saber.
E eu não deveria dizer, mas chego em casa e danço olhando pro espelho, ponho biquíni e fico olhando se tem vizinho na janela, mas depois vou na área estender calcinha e esqueço do biquíni, é assim a vida.
Li numa revista do mês passado Neyde Veneziano dizendo que
não vivemos mais numa cultura de massa, e sim numa cultura de mídia
Concordei, pensei e li o resto
antes, as obras tinham de ser niveladas pela média; agora, com a explosão das mídias, há uma diversidade para atender ao consumo individualizado.
Aí, oxente, concordei mais não. Eu acho que sempre foi cultura de mídia e cabou, quarto poder nada, é tudo ali, definem o que vai ser notícia. Pergunta tostines aqui não cabe, não é a gente que faz o que passa na tv ou na tv passa o que a gente faz, tudo junto e misturado, mas ainda acho que a mídia, ela é má, má como uma pica-pá.
Tava pensando nisso e me vi olhando os brinquedos que dizem ser feitos para as crianças, aquelas peças de encaixe montatudo, por que que quase todas usam as mesmas cores e formatos? E além disso, por que o quadrado só monta com quadrado? Por que não inventam um montatudo onde tudo pudesse montar com tudo, de verdade? As crianças olham aquilo e eu sei, elas têm capacidade de mais, então passam-se 10 minutos e enche o saco, elas vão brincar com a caixa de papelão e inventar que é um disco voador, por que ela sabe que na real a vida tem mais círculos e losangos que supõe aqueles vãos quadraditos de poucas cores.
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