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quarta-feira, dezembro 14, 2022

A cor da Ternura, Geni Guimarães e eu.

Meu amigo me mostrou esse podcast do Museu da Pessoa, chamado Pessoas:Vidas Negras. Eu só conhecia esse outro, Vidas Negras, que eu já ouvi alguns episódios.

Esse, de Geni Guimarães, encheu meu coração de vida. Geni é minha primeira escritora preferida e eu nunca a tinha ouvido falar, ainda mais falar das histórias que eu já li mais de uma vez em seus livros. Lágrima veio no olho um bando de vezes e aprendi ainda mais com ela.

Conheci esse poema de Cuti chamado Quebranto:

às vezes sou o policial que me suspeito
me peço documentos
e mesmo de posse deles
me prendo
e me dou porrada

às vezes sou o porteiro
não me deixando entrar em mim mesmo
a não ser
pela porta de serviço

às vezes sou o meu próprio delito
o corpo de jurados
a punição que vem com o veredicto

às vezes sou o amor que me viro o rosto
o quebranto
o encosto
a solidão primitiva
que me envolvo no vazio

às vezes as migalhas do que sonhei e não comi
outras o bem-te-vi com olhos vidrados
trinando tristezas

um dia fui abolição que me lancei de supetão no
espanto
depois um imperador deposto
a república de conchavos no coração
e em seguida uma constituição
que me promulgo a cada instante

também a violência dum impulso
que me ponho do avesso
com acessos de cal e gesso
chego a ser

às vezes faço questão de não me ver
e entupido com a visão deles
me sinto a miséria concebida como um eterno
começo

fecho-me o cerco
sendo o gesto que me nego
a pinga que me bebo e me embebedo
o dedo que me aponto
e denuncio
o ponto em que me entrego.

às vezes!...

(In: Negroesia, p. 53-54)
Emocionei também quando ela diz que, para ler, roubava livros de Jorge Amado  na biblioteca do hospital que trabalhava. Sabe que eu já fiz isso na biblioteca de uma escola particular que trabalhei por dois anos? Ninguém lia, pilhas de livros amontoados, eu levava para casa, lia e devolvia depois (não todos...). Ficava embasbacada com o fato de terem pencas de livros ali assim e nem tchum, enquanto eu sofria para conseguir um para ler. 

Deve ser por isso que eu adoro doar meus livros assim que acabo de ler. Não todos, mas muitos deles. Assim, ninguém precisa roubar aqui em casa (ou não).

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