O amor ao supérfluo ajuda a entender o que somos (p. 43).
O fato do livro de Djaimilia ter sido lançado no Brasil me fez lembrar que eu precisava fazer essa resenha para o blog. Comprei esse livro em Lisboa, há mais ou menos um ano atrás. Li-o devagar e ainda preciso lê-lo de novo, para poder saber mais sobre ele e entender algumas sensações que tive quando terminei a última página.
Djaimilia se propõe a fazer uma história do cabelo, algo que eu mesma já tentei fazer num texto bem menor do que esse livro, para um site que me pediu um depoimento sobre a minha trajetória capilar. Reproduzi o texto aqui. Djaimilia escreve muitíssimo bem, mas sua escrita não me pegou porque a encontrei muito localizada, numa Lisboa que não conheço e que não me emociona, que não mexe comigo. A autora vive lá desde criança e tem com a cidade uma relação que ela vai trançando junto com as suas memórias do cabelo, como quando explica suas sensações com relação a sua juba quando acorda ou a primeira vez em que fez tranças num salão de beleza.
Sua escrita tem poesia, uma poesia com um ritmo e um tempo que me incomodou muito, coisa que eu não soube lidar direito. Fiquei achando que a cadência não me pegou de início. Depois, fui sentindo uma melancolia grande, como quando li Istambul, de Pamuk. Comecei a ler o livro bem devagar, sorvendo o texto com calma, entrando no clima do livro. Ainda assim, acho que preciso lê-lo de novo.
Djaimilia me conquistou do meio para o fim do livro, que por sinal, não é leve e nem fácil de continuar lendo, quando se percebe que o que ela faz, ao falar do cabelo, algo por fora e talvez supérfluo, é entrar mais e por dentro dela mesma, nos convocando a fazer o mesmo. Quem é você dentro quando se procura nas coisas que estão fora? O que você quer dizer quando não ouve o que você mesma diz e se deixa levar por outras dores e pesares? Quando é que você vai encontrar com aquela pessoa que um dia você foi e saber o que dela é parte de você agora?
Parece-me todavia que 'encontrar' não é um resultado previsto de 'procurar' quando falamos de pessoas. Encontrar-me a mim é mais parecido com encontrar uma pulga quando se procurava um borrão; encontrar uma caneta quando se procurava uma pessoa. O que se encontra reconfigura o que se procurava. A procura de uma origem nem descobre a minha identidade. Uma pessoa apenas se encontra a si mesma por acaso.
"Onde deixei a Mila?" O tempo da procura coincide com o tempo da descoberta, exatamente como se percebesse o propósito do que escrevo no decurso de escrever. A pessoa que encontrei por acaso confunde-se com o resultado de uma procura apenas no sentido em que, se usarmos uma pá para desenterrar um baú, é possível que o baú encontrado esteja marcado pela pá que usámos. Tal conclusão mostra-me que apenas por acaso este é o meu cabelo. O que somos por escrito é tão diferente do que somos quanto uma nódoa de água é diferente de uma chave. (p. 137-138)
Sou então, do meio para o fim, tomada por essa melancolia não de um lugar, mas de uma parte de um corpo que também é corpo, o cabelo. O cabelo, isso que aparece e só parece que é algo superficial me mostra como não apenas lugares e objetos fazem parte de nossas memórias e podem conduzir nossas lembranças para lugares amargos e incômodos. Levo essa impressão de que o livro não é docinho, mas nem por isso, desimportante.
Vou lê-lo de novo.
Djaimilia Pereira
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