Toni Morisson
Acabei de ler Amada (Pulitzer de 1988) de Toni Morisson, autora que que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1993, ano em que eu tinha 13 anos e ia conhecer ainda Geni Guimarães com A Cor da Ternura, livro que já comentei aqui. Demorei muitos meses para terminar, porque era difícil continuar um livro que conta a história de Sethe, uma moça escravizada que, num ato desesperado, tentar assassinar uma de suas crias na tentativa de protegê-la do horror que ela esteve submetida por anos. Amada é o nome da moça, que depois de muito tempo aparece novamente, voltando para casa e para a vida de Sethe e de sua outra filha, Denver.
Mas a história não é só isso e não pode ser resumida nessas poucas palavras. Morisson tem tudo que é possível ter de beleza numa escrita sobre sofrimento, sobre nossa história, sobre dor. Ela consegue me fazer chorar sem deixar a lágrima cair, ela consegue me curar as feridas de uma alma ancestral, ela é parte do que eu me sinto agora, do que eu sou hoje.
Capa do livro Amada, tradução de Massaro, publicado pela Ed. Nova Cultural, 1987*
Enquanto lia, tentei separar algumas partes para transcrever aqui, mas não conseguia levantar para buscar um lápis ou simplesmente lembrar-me de fazer qualquer marca, eu apenas lia e lia, arrebatada. Lia, depois passava dias longe do livro, olhando ele ali de lado deitado na cabeceira da cama. Eu pensava em Sethe, em Denver, em Amada e em Paul D., e em como o fim do livro parece com a minha história hoje. Como Toni Morisson consegue isso? Eu me pergunto. Eu só posso pensar que ela cava bem fundo dentro dela mesma e encontra todas nós, mulheres negras, dentro de seu útero, pronta para serem nascidas.
Copio uma parte do livro bastante divulgada na internet, o sermão de Baby Suggs, sogra de Sethe:
“Aqui”, ela disse, “nesse lugar mesmo, somos carne; carne que chora, gargalha; carne que dança descalça na grama. Amem isso. Amem isso com força. Porque lá eles não amam sua carne. Eles desprezam ela. Eles não amam seus olhos; eles arrancariam eles assim que pudessem. Amam menos ainda a pele de suas costas. Lá eles esfolam vocês. E oh, gente minha, eles não amam suas mãos. Essas eles só usam, amarram, acorrentam, decepam e largam vazias. Amem suas mãos! Ame elas. Levantem elas e beijem elas. Toquem outras pessoas com elas, batam palmas com elas, esfreguem elas no rosto, porque eles também não amam elas não. Vocês têm que amá-las, vocês! E não pensem que eles adoram a boca de vocês. Eles, lá fora, eles vão vê-la quebrada e vão quebrá-la de novo. O que você fala com ela eles não vão prestar atenção. O que você grita com ela eles não vão ouvir. O que você coloca nela para nutrir seu corpo, eles vão arrancar e te dar as sobras no lugar. Não, eles não amam sua boca. Vocês têm que amá-la. É da carne que estou falando aqui. Carne que precisa ser amada. Carne que precisa descansar e dançar; costas que precisam de apoio; ombros que precisam de braços, braços fortes é o que eu digo. E oh, gente minha, lá fora, me escutem, eles não amam seu pescoço livre e ereto. Então amem seu pescoço; ponham uma mão nele, façam carinho e toquem ele e o mantenham firme. E todas as suas vísceras, que eles iam usar como lavagem pra porcos se pudessem, vocês têm que amá-las. O fígado escuro, escuro – ame ele, ame ele, e o coração cansado e pulsante, amem ele também. Mais que os olhos ou os pés. Mais que os pulmões que ainda vão sorver ar livre. Mais que seu útero segurador de vida e as partes íntimas que plantam vida, me escutem agora, amem seu coração.” (p. 87)
Em 1998, há o lançamento do filme Bem Amada, que vi antes do livro e é inspirado nele. Recomendo também!
*Há uma outra publicação em 2007, pela Companhia das Letras.
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