Você que me lê, me ajuda a nascer.

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Sem tempo, pá-pum.

16.02.2008 Me diz o que você faria se lesse Borges e depois entendesse que sim, ele é muito bom mas é só mais um escritor racista declarado, tu ia ficar triste ou nem ia ligar, eu ainda não decidi, o fato é que eu li bastante coisa dele e agora não quero mais saber, nem quero saber que saiu todos os livros da coleção dele, e não vou falar mais dele aqui e ponto e fim. Até por que depois tu lê Graciliano Ramos e vê que sim, é possível ser escritor e ficar do lado onde a corda sempre arrebenta, por quê não? Aristocracia argentina? Tou cagando. Por que hoje eu li uma coisa que eu fiquei matutando um tempão, vê só Faço questão de ser negra nessa cidade descolorida, doa a quem doer Faço questão de empinar meu cabelo cheio de poder Encresparei sempre, em meio a esta noite embriagada de trejeitos brancos e fúteis. Diz se não é pra fazer camiseta e andar por aí. E eu tenho uma amiga que pensa que é doida mas percebe as coisas melhor do que eu, como quando ela disse Adoro como tu fala assim quase sem artigo Vou abolir os artigos da minha vida Você diz Quero falar com Maria E não Quero falar com a Maria E isso é tudo Deixe de coisa, eu disse pra ela, mas é bem isso mesmo. Por que quando eu vi na padaria perto de casa um letreiro assim Se você trouxer a sacola de sua casa, o pão é mais barato Sorri um sorriso contido, adoro quando as pessoas usam o de, esqueceram do de, como se ele fosse casado com o a e o o, não é, o de é muito chique sozinho. Quando você olhar pra mim e não conseguir entender o que eu estou pensando, pode ter certeza, estou pensando na palavra, por que a palavra foi feita pra dizer, já disse Graciliano, o Ramos. E Edimilson De Almeida Pereira diz A poesia comparece para nomear o mundo Bonito, né? O negro em versos, que poderia se chamar Negros Versos, já que tem um monte de mulher escrevinhando ali, antologia de poemas negros que saiu em 2005 com organização de Luiz Carlos dos Santos, Maria Galas e Ulisses Tavares. Procurem por aí, leiam todo. E Você é linda Só precisa sair dessa cidade Diz que tu num ia no céu e voltava, se o cara que você gosta nessa vida (sim, eu mandei um recado pra ele dizendo você é o moço que eu gosto) escrevesse isso pra tu. Eu fui no céu, voltei, olho encheu de água mas fingi que não era nada, para que ele não se assustasse com meu jeito bobo de tratar as coisas bonitas. E eu queria ser muitas mulheres para ouvir isso muitas vezes, e eu fiquei repetindo isso para mim mesma a semana inteira, e se eu já me vejo linda quando saio de casa com meu cabelo empinado encrespado de poder agora me sinto a própria afro-dite, sou eu mesma, a que mora longe e para quem o planeta está ficando pequeno, pelo menos esse que eu escolhi para viver agora, palavras dele, aliás muitas foram as palavras dele, agora ele fala comigo e eu finjo que ele não é ninguém tão especial mas aqui dentro meu coração baticumdum, quando ele me responde o que é eu já fico sorrindo que nem besta mesmo, pensei que passava assim, mas tchum, não passou, eu me enganei mas agora eu nem ligo de gostar dele, me faz bem agora então deixa como está. Bonito mesmo é entender que ele acredita em mim. Que respeita o meu amor todo por ele. Não preciso de mais nada. Sei que ele existe, fico em paz, ou pelo menos tento, por que acho que é o que ele tenta também quando ele me pergunta tem pressa de viver e eu digo sim e ele diz relaxa preta. Não quero outra vida, quero esperar esperar devorar você. Lizz Wright mudou as minhas noites sem internet na cidade de São Paulo. E tenho dito. 27.02.2008 Vi uma fotografia do Kossov na Pinacoteca. Um monte de fotos. Mas uma me chamou atenção. Chamou, chamou. Viagens tantas, tantas fotos, e ele em Hamburgo tirou foto da sombra que fazia na cabeceira da cama, parecia quarto de hotel, todo arrumado, papel de parede. E eu fico encafifada, o que faz alguém sair de São Paulo, chegar em Hamburgo e tirar uma foto assim. Será solidão? Estado de espírito. Me incomodou, escrevinhei no caderninho. O que tu escreve aí, me perguntou o amigo que me acompanhava. Nada, elucubrações, devaneios, delírios. A foto é de 1990, Boris Kossov. Procure, se quiser. Passando da Pinacoteca para o Museu da Língua, que segundo o Bagno deveria se chamar Museu das Línguas Brasileiras, encontrei de novo o moço que cerca de um ano atrás me parou para dizer que havia sido assaltado, que tinha perdido tudo no metrô, que as amigas o esperavam no metrô Tatuapé para tomarem o ônibus para Guarulhos e de lá irem para Brasília, meu amigo sacou a carteira e deu dez reais pela história, ele tinha uma cara afoita naquela época; olhei bem para ele e achei-o mais cansado e mais com cara de assaltado do que da ultima vez, fiquei matutando, São Paulo é perigosa ou são perigosas as pessoas? De quando estou aqui nunca me aconteceu nada, nada, nadica. Convivo violentamente com a violência, contida, se é que dá pra entender, não posso falar mais, já viu. Esse não é mais seu Ó Subiu Entrei pelo seu rádio Trombei cê nem viu Se já vi, já. Mas nunca pegou em mim, nem respingou. Não estou esperando que aconteça, só fiquei triste por ele ganhar dinheiro falando mal da cidade, droga. Não deu tempo de dizer pra ele já caí nessa, procurei-o quando caí em mim mas ele havia sumido, não sei se teria coragem de dizer, ele tinha cara de desesperado mas era bem marrentinho também, do tipo não quer ajudar beleza, obrigado, é isso aí, que cidade, nunca mais volto aqui, vejam só, deixa pra lá. No Museu da Língua Portuguesa tem exposição do Gilberto Freyre , nem precisa dizer que não vou com a cara dele. A Revista Bravo o chamou de libelo da tolerância, aha, é em nome dessa tolerância que senhores de engenho estupravam negras e negros, é em nome dessa tolerância e dessa miscigenação que hoje temos milhares de gentes que não sabem o que são, perdidas que estão entre cores e nomes, entre cafés-com-leite e pardinhos, em 1946 a lei disse, tragamos para o Brasil brancos para embelezar o país afroamericano demais; Gilbertinho, como deveria ser chamado pelo seu vô, por sinal usurpador de muita das terras no Recife (sim, por que dono dono ele não era, como saber? Comprou de quem, e se comprou, será que queriam mesmo vender?), escreveu para e pelos/as seus e suas, branco e neto de senhor de engenho como era, tinha mesmo que assinarembaixo de toda a merda feita pela aristocracia rural do Brasil oitocentista, afinal, farinha pouca, né, meu pirão primeiro, ele também queria a parte que lhe cabia no latinfúndio espúrio dessa coisa chamada tolerância. Mais nojento que isso, só exposição falando bem do cara. E não venham me dizer que o cara deve ser respeitado por trazer a discussão sobre o cotidiano no Brasil, inaugurando um corrente historiográfica que... puah, balela. Nem vou continuar, sem chance. É sempre bom lembrar Luther King, né, o lance não é o mal que te pode fazer os maus, mas sim o silêncio das pessoas boas. Ou que se dizem boas.

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