Vi Boulos na entrevista do Roda Viva falando que os evangélicos votam em Bolsonaro também porque a igreja é uma rede de relações. Aí fico pensando que, se é assim, se o pastor manda votar, as pessoas não fazem apenas porque ele manda, mas porque elas querem fazer parte e, mesmo sem muitas vezes conversar sobre política, paira no ar aquela ideia de que "se o pastor falou, é o melhor". Mas não acho que seja só isso, não.
Mas, assim. Conversando com uma amiga ela disse
eu não sei por que essa preocupação se o presidente é cristão é não se o estado é laico
Eu pensei, é mesmo, rapaz, eu quero lá saber que religião o presidente acredita, eu quero saber se ele se preocupa com as desigualdades do país. Essa deveria ser o começo da conversa. Mas eu vou voltar a esse tema, porque não dá para desconsiderar que as pessoas não sabem o que é laico quando um padre vai para um debate e pede que as pessoas o respeitem quando ele está desrespeitando todo mundo. Sei que ele não é padre coisa nenhuma, mas não importa. É como ele se apresentou e o que ele acha que ele pode falar.
Parece que muitas pessoas que frequentam igrejas são conservadoras, mesmo. Discordam de casais homoafetivos, por exemplo, e acham que votar em governo de esquerda é estimular isso. Então, mesmo que se diga que deus é amor, logo lembram que ele também é justiça e justiça, pela bíblia, é condenar aquilo que a bíblia diz que é pecado.
E pecado é amar pessoas do mesmo sexo, é a mulher querer os mesmos direitos que o homem, é a mulher ser dona do seu corpo e escolher não parir a criança, é adorar um deus que não seja pai de Jesus - ou adorar pessoas, coisas e lugares, como eu adoro adorar -, é ser plural e gostar de sentir deus de vários jeitos e gostar de vários deuses, o lance é ser mono em tudo, senão, não pode. Tem que ser um deus, uma pátria, uma família, um mundo, um amor, tudo pela vida eterna, vale até o sacrifício terreno. Quando eu fiz 18 anos, eu passei a não me interessar por essa chantagem cristã: aceitar sofrer na terra para ter a vida eterna. Quando eu era adolescente, li As viagens de Gulliver e, em uma dessas viagens que ele fazia, ele chegava num mundo que as pessoas nunca morriam, na história, ele mostrava como isso poderia ser um problema também. Eu sempre achei esse livro incrível e essa ideia de que não morrer também pode ser um saco parece que faz todo o sentido depois de passar 40 anos no mundo e ter contato com a dor e a delícia de viver.
Para além de tudo isso, se Jesus mandou ir pelo mundo e "pregar o evangelho a toda a criatura", é porque o cristianismo salva e, se você não concorda, você não precisa viver nesse mundo junto comigo. Então eu vou apoiar sim um governo que diz que quem pensa diferente pode ser banido, com arma com ou deixa morrer, não importa muito. Os fins justificam os meios, Ovídio?
Eu nem acho que os evangélicos não estão sendo cristãos quando votam nesse presidente que aí está. Achar que Jesus é essa figura que as pessoas pintam como um ser de paz e bem é também uma invenção. Talvez seja a hora de reconhecermos que votar de novo no presidente tem tudo a ver com o cristianismo que a gente está vendo por aí, sim. Não tem nada de diferente e nem de contraditório.
Ah, mas deus é amor
E talvez seja amor para essas pessoas conservadoras não concordar com o que é diferente delas, já pensou nisso? Sei lá, gente. Eu não sou cristã, acho a ideia de amor cristão bem duvidoso - cheio de regras e condições que não sei se concordo completamente (tudo crê, tudo espera, tudo suporta não é comigo MESMO) -, muito parecido com história de princesa branca de final feliz que eu nunca gostei também.
Então, antes de ficar passando vídeo dizendo que ser cristão não é ser bolsonarista, talvez a gente tenha que repensar por que é que a gente fica repetindo que ser cristão é ser tudo de muito ótimo sempre, que os ensinamentos de Jesus e quem crê nele não faz nem fala o que presidente diz. Será mesmo que os evangélicos/cristãos que você conhece são tão completamente diferentes dele assim?
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