Você que me lê, me ajuda a nascer.

segunda-feira, outubro 08, 2018

Desafio (com amor, a gente chega lá).

Sinto muita falta dos bebês da creche. A creche aonde eu trabalhava. Eu saí dela e estou trabalhando numa universidade. Faz muita diferença. Eu chegava às 08h, encontrava com eles e elas, eram onze frequentes esse ano. A gente sentava no chão e ficava brincando até todo mundo chegar. A gente conversava e brincava, dava risada, um mundo nosso cheio de sorrisos, birras e felicidade. 

A gente ficava junto o tempo todo. Grudado, colado. É uma falta física, eu sinto falta da pele, do cheiro, da baba, do dedinho que roçava minha mão, da quentura quando eu trocava ele ou ela de cama ainda dormindo, de pegar no colo, de sentir o suor, o sorriso. Eu sinto tanta falta disso e isso não tem substituto. É uma coisa inominável e eu fui muito feliz ali, tão feliz ali, foram dois anos com bebês que me doaram tanta energia para continuar de pé, eu reclamava das condições de trabalho, fazia greve mas sentia falta deles e delas, só deles e delas. 

Migh lindona, você tava aonde?, ela me fala com as mãos nas cadeiras e eu respondo sorrindo, ela me olha de cima embaixo (ajuda porque eu estou abaixada, à altura de seus olhos) e quase balança o pezinho, gestos completos de uma pessoa inquiridora e que não aceita qualquer resposta como justificativa para o meu sumiço. Como dizer pra ela que estava dando atenção a outras pessoas que não ela? Como dizer que eu não estava ali mas suspirava querendo ouvir sua risada e sentia falta até de suas birras, aquelas que ela repetia sem se cansar, sem desanimar, mesmo quando nós, adultas, dizíamos não o tempo todo? Não consegui dizer muito, só que estava em casa, respondo sorrindo, ela ainda quase séria com as mãos nas cadeiras por um segundo me dá espaço e eu a agarro, abraço, beijo, ela sorri gostoso, mostra os dentes que cresceram mais desde a última vez que lhe vi, sou feliz.

Agora é gentes grandes que me declaram amor e me abraçam do jeito que aprenderam, que sorriem e me gostam também, não posso negar. Recebi hoje um email de uma grandona que me dizia assim:

Mighian!!!!!
Mighian!!!!
Obrigada
Estou com "Histórias de ébano". Ler o livro em pleno sábado na véspera de eleição pois é tá ótimo. Tá sendo como uma dor de barriga. Mal comecei e tudo que li apertou tanto a minha mente que pude traduzir o que quero pesquisar. Agora eu sei o que vou pesquisar!!!!!!!!!!!!!! Eu entendi o que eu vim fazer em São Francisco e que não pedi demissão de emprego à toa não. Tô aliviada!!!!!! Saiu! Eu pari uma vontade, mulher!!!! Sensacional saber como fazer o que eu quero fazer mesmo, se aceitarem ou não, eu entendi o que posso fazer. Vou construir a linha pra esse trem e ele vai correr por cima dela que nem criança no meio fio!!! Doido demais!

Afaga o coração ler essas belezas e saber que a gente continua na vida das pessoas e elas vão lembrar da gente, assim como quando encontrei um menino de seis anos que me disse "oi, professora" e eu não acreditei que ele lembrava que eu havia trocado a fralda dele 3 anos antes (eu nunca esqueci seu nome, mesmo antes disso, porque ele era muito retado para que eu o esquecesse, pelo menos por uns dez anos). Há respiros de alegria no meio da vida corrida que tem a universidade. As coisas não são de todo ruim, não; as coisas são como antes, como sempre, como a vida. Mas, não posso dizer que não sinto mais falta da baba, do suor, do grude, da birra, do chão, da pele, do olhar, do sono, do carinho, da comida na boca. Não posso dizer.

Eu tenho montes de fotos lindas que eu tirei a vida inteira com as crianças, das crianças, pelas crianças. Sempre que posso, revejo essas fotos e me emociono. Alguém fez uma delas no celular, poucos dias antes de eu ir embora da creche. Estou sentada no chão, um nenê entre minhas pernas, eu trocando fraldas. Sinto um amor por essa foto tão grande toda vez que a vejo, sinto amor por mim e pelas crianças. Ela é um pouco do que eu sinto falta quando estou lá, na universidade. Consolo-me um pouco olhando para ela às vezes e me esforço para fazer um sorriso, porque vejo que estou sorrindo na foto e essa é a sensação que ficou desse tempo tão bom. De verdade, para mim é muito gostoso ter saído de lá com saudade e não com tristeza, com cansaço, com desânimo. Foi assim também quando fiz outras coisas na vida. Sou uma sortuda, enfim. 

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