Estava no refeitório, terminando o almoço, ele chegou, como sempre, devagarinho e manso. Sentou, me disse que estava indo pra aula, conversamos amenidades. Me apresentou um amigo.
Depois disso, atendeu uma ligação. Quando desligou, virou pra gente e disse que a cunhada ligou para informar que a mãe tinha falecido.
Eu, o moço, os dois atônitos. Levantei, abracei, beijei, mas ele ficou ali, sem reação, sem jeito, aéreo. Eu não sabia direito o que fazer, saquei o tablet e me pus a falar das passagens que ele precisava comprar para ir para Salvador, de lá para o interior onde a mãe mora eram mais cinco horas.
Engraçado. Enquanto fazia isso me lembrei que desde o ano passado, toda vez que ele passava por mim eu queria muito falar com ele, conversar, sei lá porque. Ele quase sempre passava direto, cumprimentava pouco. Uma vez, eu lembro, tomamos o ônibus junto e ele estava com uma blusa estampada de abacaxis tão linda que eu queria tocar nela, mas ele nunca me dava bola. Nesse dia que o conheci, reclamei de sua metidez. Ele, com uma voz bem baixinho me disse, "não sou metido...".
Entendi que era timidez. Descobrimos uma paixão, o cinema. Combinei de vermos um filme qualquer dia, mas não trocamos telefone. Semana passada, nos vimos duas vezes, e insisti no telefone. No segundo dia, ele marcou o meu. Como por mágica, nos encontramos ontem e hoje na hora do almoço.
Ontem, ele me falava de sua vontade de passar o próximo semestre na Bahia, para ficar mais perto da mãe e do pai, que estavam adoentados. Quando o vi, ali, atônito com a notícia, só queria mesmo que o meu abraço pudesse estancar um pouco aquela dor que a gente só sente quando está longe.
Eu sei bem o que é isso. E percebi que precisava ficar com ele para que parte da minha dor passasse também. E eu não sabia que poderia dizer tantas coisas para alguém numa situação como aquela, coisas que não soassem bobas ou sem sentido, batidas. Mas acho que consegui.
Ele me disse "eu estava longe quando tudo aconteceu". E só conseguia dizer "humhum" para as coisas que eu dizia. Disse que ainda não estava acreditando (eu também sabia o que era isso) e eu disse que a dor que ele sentia era uma dor de quem estava longe, que é diferente de quem está perto, mas não é melhor nem mais confortável. Que ele não se sentisse negligente... que com certeza, a família dele sabia que ele estava ali porque tinha sonhos e planos, como toda pessoa que ama e vive.
Ajudei-o até que pegou o ônibus, ia encontrar com os irmãos que também iam de viagem. Queria ir com ele até a porta do avião, queria poder estar lá esperando ele no aeroporto, queria abraçar de novo, queria queria. Não chorei, não na frente dele, que ainda estava absorto e parecia não entender o que acontecia. Eu sei como é isso.
Conversamos de coisas práticas no ponto de ônibus, eu alisava seu braço, fazia carinho no seu cabelo. Não sei porque gosto tanto dele sem nem conhecê-lo direito. Mas acho ele tão lindo dentro que sempre quis conhecê-lo para ficar perto disso.
Espero que ele esteja bem. A essa hora, está tomando o ônibus para chegar à sua cidade natal. E eu, chorando umas dores de antes e essas de agorinha.