Você que me lê, me ajuda a nascer.

terça-feira, outubro 23, 2007

Sobre meu irmão.

Muita gente já sabe que o meu irmãozinho de 20 anos morreu. É, assim, do nada, foi embora. Pá-pum, e eu chorando, chorando. Segurei a mão de mainha, não queria que ela chorasse, mas não teve jeito, a gente chorou junto. Disse pra ela que não ia mais voltar, ela não deixou, filha dela não faz isso, filha dela termina o que começou. Então voltei, querendo ficar, querendo sumir, querendo me esconder. Na semana em que fiquei lá, perto de todas as coisas dele, dormindo na cama que era dele, descobri o quanto éramos parecidos, ele com as anotações do que iria fazer e das suas economias, assim como eu sou obssessiva com poupança, com contas e dívidas. Ele, assim como eu, tinha mais livros, revistas, cd's e dvd's do que roupa. Remexendo nas coisas dele, encontrei minhas cartas, as cartas que eu sempre mandava, sem resposta, mas que eu sabia que ele guardava todas, todos os recortes que eu mandava, sobre algum cd' novo, sobre algum jogo de videogame, pra saber se ele queria, suspirei para não chorar, foi bem na hora que mainha veio me perguntar se eu queria almoço, as coisas dele ainda como ele tinha deixado antes de ir de vez, era um menino tão calado que não enchia o saco nem pra ouvir música, se queria escutar metal nas alturas, punha um fone no ouvido e ninguém no mundo sabia o que ele estava fazendo ali quieto, no canto dele. Diferente de mim, não queria muito da vida. Não cobrava roupa de etiqueta, tênis de grife, viagem no Natal. E sem querer me fazendo ver o quanto eu corria e fugia, me fazia perceber que no final das contas, a gente chegava junto, no mesmo horário, pra ver o sol se pôr, a pressa não iria me fazer mais feliz nem mais sábia, no seu jeito tranquilo era mais feliz e sossegado do que muita gente, não tinha contas a prestar nem a pagar. Foi e deixou um buraco enorme na minha vida, por mais calado e tímido que fosse, estava aqui e eu sabia que ele existia, não fazer mal pra ninguém é melhor do que fazer, e amá-lo era um exercício de desapego, pra aprender que amor é coisa que se dá sem esperar nada em troca, não é prometer uma bicicleta nova se ele passasse de ano, ele nunca caía nessa. Numa das poucas fotos que temos juntos, estamos num carro, ele vai guiando e eu louca no banco do carona sorrindo pra câmera, ele lá olhando pra frente me conduzindo, ele tinha 20 anos e parecia ter nele toda a paz do mundo, como se já tivesse encontrado o que me faltava assim tão novo, assim tão na dele. Choro hoje mas feliz lembro de todas as vezes em que disse te amo, em que tentei em vão abraçá-lo, ele era enorme e não cabia no meu abraço, fugia de vergonha e sempre me falava pára com isso, pára. Acordei noite passada ouvindo sua voz por que só ele era tão durão e me chamava por um diminutivo tão doce, e eu penso que eu não vou conseguir mais viver um só segundo tendo a certeza de que não vou mais ouvir aquela voz me chamando, mas então durmo mais um pouco e acordo tendo a certeza de que sou mais feliz do que muita gente, por que o conheci, e por vinte anos tive o enorme prazer de tê-lo perto. Coisa que muita gente nesse mundão não vai mais poder ter. E da última vez que o vi, pedi pra dormir com ele na cama de casal que ele tinha roubado da minha mãe, ele meio sem jeito não queria, até que minha mãe pediu e ele deixou, eu toda boba no meio da noite mudava de posição só pra ver que ele tava ali do lado, dormindo junto comigo, sono pesado. E quando eu cheguei lá dessa vez, fui dormir na cama dele, no lugar que era dele, com o cheiro dele, mas foi tão estranho: o abraço que eu sempre pedia quando eu chegava e quando ia embora, e que ele sempre sem jeito me dava, naquele dia eu senti aquele abraço, mas um abraço com todos os jeitos, eu me senti dormindo no colo dele, me vi dormindo no colo dele, que também dormia, flutuando junto comigo, castelo de sonhos. Não vai ser fácil deixar de chorar, vai ser impossível esquecer.

4 comentários:

Anônimo disse...

Impossível mesmo, Migh. Por isso ficam os abraços eternos e as palavras lindadas. Que você nunca deixe de escrever com tanta beleza,que ele abraçará você em cada letra. E cada texto seu será como aquelas cartas. E ele caberá inteiro no seu abraço.

Migh Danae disse...

Grande honra, Caio.
Tem duas coisas que tu me disse que até hoje me emocionam, eu ia te escrever um mail, ainda vou, mas vai aqui:
"Te admiro muito, Migh".
"Que coragem tu voltar e dar aula pros teus pequenos".

Limpo o rosto com a palma da mão, agora tu tá vendo, mas tem nada não.
Num tou mais sozinha.

MO disse...

Moça,

Vim ver, né? Obrigado pela sua visita no Orkut e no blog! Gostei dos textos e lamento muito o que é impossível- dizer-qualquer-coisa-sobre, apenas que ela é inevitável.

Minha filha volta amanhã para São Paulo, após termos ficado um ano e dez meses separados, se vendo apenas esporadicamente. Ainda não tive forças para escrever sobre isso no blog. Não sei como isso soará na prática. Quero vê-la no final de semana e, aí sim, decidir se já está na hora de escrever sobre isso ou não, até porque quero crer que a volta será definitiva e isso só ocorrerá em janeiro.

Adorei o post de baixo com a resposta da sua aluna. Coisa linda. E o teu diagnóstico tá certo mesmo. O plano DELES é justamente esse.

Migh Danae disse...

Ahá, e eu que já ia te convidar para sair no final de semana!
:-P