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domingo, maio 01, 2022

O trabalho da morte.

Há um ano atrás, estava saindo da casa de um amigo para ir à Salvador visitar minha mãe. Ele, mesmo deitado ao lado do namorado, levantou e fez questão de colocar uma mesa do café para mim.

Fui embora pensando naquele carinho logo cedo e cheguei à rodoviária, mas fiquei sabendo que os horários dos ônibus haviam novamente sido mudados. Fui então para casa, o próximo ônibus só sairia em duas horas. Foi então que recebi uma ligação do meu tio, dizendo que meu pai, irmão dele, tinha falecido aquela manhã.

Fiquei atordoada. Pensei em ligar para um rapaz com quem eu estive saindo nos meses anteriores, mas com quem eu já não tinha mais nada. Ia pedir colo e uma carona, mas me detive. Não queria que essa situação fosse usada por ele para se aproximar de mim. Liguei para um ex-namorado que estava há muitos quilômetros de distância, mas que tinha sido o responsável por me fazer perceber o que a ausência do meu pai tinha criado na minha vida.

Conversamos, eu chorei. Ele disse que poderia ficar ali, só me olhando, se eu quisesse. Eu quis, eu aceitei. Chorei, conversei. Desliguei. Levantei e fui fazer o que era preciso. Cuidar dos detalhes do enterro, ir ver o que havia acontecido. Viajei para a casa da minha mãe; ela, eu e o namorado dela cuidamos de tudo, com muito e choro pelo caminho.

Meu pai morreu na casa de uma amiga, teve um acidente vascular cerebral, o terceiro, assim nos pareceu, segundo o relato da sua última namorada. Tivemos algumas dificuldades para resolver tudo e toda a situação só me deixava mais e mais triste, em ver um homem negro morto nas condições em que ele morreu, sempre querendo mais para si do que poderia ter ou fazer.

Meu pai, que para mim nunca pareceu gostar muito de trabalhar, morreu no dia do trabalho. À época, fizemos graça com isso e, ainda hoje, essa piada pronta me arranca um meio sorriso. Hoje, antes de me levantar, repassei mentalmente a visão de vê-lo sendo enterrado num cemitério público em Camaçari, toda a precariedade que foi sua vida estampada ali, na hora do fim. Chorei, mais uma vez. Choro agora também. 

Eu ainda irei chorar por isso muitas vezes na vida, eu sei. Agora, pelo menos, eu sei o motivo do choro. Por muita sorte, sei o que me faz feliz também.

Um comentário:

Caio disse...

Eu também choro agora.