Você que me lê, me ajuda a nascer.

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Me rendo.

Homem
Daniela Mercury

Seu corpo é a moldura do meu país
de linhas curvas
onde me perdi
entre montanhas e manhãs
quando amanheceste
tormenta e fome
no horizonte tênue dos teus quadris

tua boca é a baía por onde navego
na direção do infinito
íntimo do instinto que me fez
...se pudesse esculpir faria como nasceu
um desenho de Deus, que fez dos oceanos os seus olhos
onde as sombrancelhas quebram o mar
o amar aberto do olhar
fazendo sombras, fazendo ondas
quando inventas de chorar


Pessoas.

Saudade. De gente, de lugares, de coisas.
Daniel, meu irmão lindo que me chama de dengosa. Meu deu saudade.
E tantas outras pessoas hoje me passaram pela cabeça. Luquinhas, Seu Augusto, Fernanda, Joice, Jéssica, Carlos... eta.
Isa, que me liga e me conta que pegou carona de guarda-chuva.
Hugo, Rute, Souleymane, Siradio, Eliane, Márcio, Ayo, Saudade.
Tudo de letra maiúscula.

Vou ver, Lokua Kanza e Vander Lee (estou vendo).

Se eu me jogar, não tema
Sou como pena a flutuar ao sol
Se eu me perder, poema
Pois quando for imaginar ou ser quem sou

Vou,vou vendo para onde ser mais
Espero, te quero
Onde for, tatuado nos lábios e no coração
O luar beijou sem querer a minha mão

Se eu me entregar, não prenda 
Sou como a pluma leve da ilusão 
Se o mar levou,
entenda 
Fazemos parte de uma só canção

Vou, vou vendo como tudo ser
Espero, te quero,
Onde for, tatuado nos lábios e no coração 
O luar beijou,
sem querer a minha mão,

Meu amor, meu amor, yoka ngai
Meu amor, meu amor 
Balançou o coqueiro,
pé de poesia 
Vejo o sol se por 
Mas eu sei, em mim não terminou


Doce deleite.

Um sonho.
Um sonho, não. Dois. Um meu e um dele.
Dois sonhos de creme e uma vida inteira pra contar.
Histórias de antes e de durante, histórias de amor e morte.
Histórias de coragens e famílias.
Sorrisos, palavras entrecortadas. Olhares.

Eu vou dormir, pra sonhar outros sonhos. Porque os que tive hoje, me encheram não só a barriga. Encheram meu coração de vida.

terça-feira, fevereiro 25, 2014

Muita calma nessa hora 2 .


O que é que a gente não faz por amor.

Francisca.

Desde o ano passado, conheci Francisca. Eu sentada, almoçando no bandejão, ela me pergunta sobre meu cabelo. Diz que o filho vai fazer uma formatura do segundo grau e ela quer se arrumar, mas ele disse que não a quer de cabelo liso, de chapinha. Ele pede que ela solte a cabeleira e ela me pergunta onde eu faço minhas tranças, quer trançar também. Conversa vai, conversa vem, todos os dias falamos sobre cabelos e belezas, vaidades. Francisca é conversadeira e eu mais, as pessoas desconcertadas ao nosso redor não entendem a amizade que a gente faz, vai saber.
Com o bandejão fechado por dois meses, ficamos sem nos ver um bom período. Desde a semana passada, eu a procuro. Encontrei-a ontem, perto da catraca da saída, olhando pra fora. Beijos, abraços, mas ela está apreensiva. Procura alguém. Me diz, emocionada
meu filho passou, pra Sociais. Hoje é o primeiro dia de aula. Ele disse que viria almoçar... ele nem tem 18 anos. Eu nem sei o que eu tou sentindo direito.
Eu a abraço de novo, talvez para esconder minhas lágrimas (estou chorando agora também). Digo para ela que ela é maravilhosa, uma pessoa especial, uma mãe ótima, mas eu acho que ela nem me ouve direito. Está realmente fora do ar, meio boba com tudo que está acontecendo. Não sei se consegui sentir algo parecido com o que ela sentia, mas fiquei pensando quais eram os sentimentos que a tiravam do chão. Sempre esteve ali, naquele espaço, cozinhando para pessoas que muitas vezes nem a olhava nos olhos e agora, espera pelo filho para vê-lo entrar pela porta da frente do bandejão.
Pensei nele, em sua coragem de adolescente ao pedir para a mãe não alisar o cabelo para ir à sua festa de formatura. Ela me disse
semana passada só foi calourada, ele usa black, igual você. Mas não cortaram, não.
Tenho orgulho dele, tenho orgulho dela. Tenho orgulho de me parecer com ela, com ele. Passo a catraca chorando e sorrindo, sem vergonha de ser boba. A fila enorme de gente nova repara e devem já ter me pregado algum tipo de anomalia social, do tipo bipolar ou transtornada.
Francisca e Robson saíram nos jornais. Com todo o sensacionalismo que a notícia merece (filho da cozinheira, o nome dele é Robson). Fico feliz de ter conhecido Francisca (eu realmente não sei qual é a conexão, o que acontece, há sempre muitas meninas de cabelo crespo no bandejão, mas ela veio falar comigo, me sinto orgulhosa por isso). Mal vejo a hora de abraçar Robson. Agora, rezo para que ele continue com sua coragem de adolescente e não deixe essa universidade maluca tirar-lhe essa coragem e esse juízo.
Eu sou mais Robson.

Yoga.


Mudança de perspectiva. Me pergunto se na vida tudo é só isso mesmo. Mudei de professora de yoga três vezes enquanto estive num clube aí. Agora, mudei de clube. E me parece que esse professor não vai mudar tão cedo. Ele é alguém conhecido na área, importante. Mas, mais importante do que ser importante foi o que ele me disse hoje, na primeira aula.
não se preocupe em explicar, apenas sinta
E eu estava justamente perdida entre meus pensamentos sobre meus sentimentos. Parei, respirei, escutei ele e meu coração. Lembrava de coisas como
you are so cute
you're lovely person
very attractive
my curiosity lead me to you
Pensava no que essas palavras tinham me causado, mas ainda era uma coisa racional. Então, me deixei levar. E descobri que estou vivendo umas das fases mais especiais da minha vida. Sentindo-me forte, bonita, interessante, agradável, imperfeita. Não é que está tudo certo, mas eu estou me sentindo certa do que quero e de como vou agir.
O melhor lugar do mundo é aqui, e agora.

Aqui e agora, Gilberto Gil.




O melhor lugar do mundo é aqui,
E agora 
Aqui onde indefinido
Agora que é quase quando
Quando ser leve ou pesado
Deixa de fazer sentido
Aqui de onde o olho mira
Agora que ouvido escuta
O tempo que a voz não fala
Mas que o coração tributa
O melhor lugar do mundo é aqui,
E agora bis
Aqui onde a cor é clara
Agora que é tudo escuro
Viver em Guadalajara
Dentro de um figo maduro
Aqui longe em nova Déli
Agora sete, oito ou nove
Sentir é questão de pele
Amor é tudo que move
O melhor lugar do mundo é aqui,
E agora bis
Aqui perto passa um rio
Agora eu vi um lagarto
Morrer deve ser tão frio
Quanto na hora do parto
Aqui fora de perigo
Agora dentro de instantes
Depois de tudo que eu digo
Muito embora muito antes
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Ela.


Filme difícil, mas necessário. Ainda bem que eu tava mais Ele.

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Tudo começa na outra vida, de Alma Gottlieb.




O nascimento de um bebê entre o povo Beng, no Oeste africano, não é visto apenas como o início de uma nova vida. Ele é contemplado como uma reencarnação depois de longa e próspera existência na “cidade dos espíritos”, lugar para o qual a essência das pessoas viaja quando seu corpo morre. Longe de ser uma tábula rasa, uma criança Beng, acredita-se, inicia sua vida repleta de conhecimento espiritual. A forma como os Beng criam seus filhos a partir de tais crenças é a matéria trabalhada por Alma Gottlieb neste original e envolvente estudo da antropologia dos bebês. A autora mostra como a ideologia religiosa afeta todos os aspectos das práticas de criação entre os Beng – desde o ato de banhar as crianças para protegê-las de doenças até o modo de ensiná-las a engatinhar e andar – e como a pobreza generalizada limita essas práticas. O abismo entre a riqueza espiritual e social e a carência material conduz a antropóloga a discussões comparativas que se concentram, de um lado, nos Beng, e, de outro, em um grupo de orientações filosóficas de origens predominantemente europeias. A partir de suas experiências pessoais, Alma apresenta considerações sensíveis sobre como sua própria concepção de ser mãe alterou-se ao longo da pesquisa de campo, indicando que as práticas do cuidado dos bebês são resultado de uma construção cultural. Antropólogos, sociólogos, pessoas interessadas no papel da cultura na vida das crianças (e vice-versa) e, de fato, todos os pais e mães desfrutarão a leitura do texto maravilhosamente reflexivo de Tudo Começa na Outra Vida.

Preço: 120,00 reais
Para comprar é aqui.

Juba.

É bom começar de novo. Do zero. Perguntas, elogios, olhares e não saber onde por as mãos. Tudo nessa ordem. 
Um passo, outro passo, paciência.

Progresso (Rui Knopfli).


Estamos nus como os gregos na Acrópole
e o sol que nos mira também os fitou
Mas fazemos amor de relógio no pulso.

Seminário Infâncias e Diferenças - São Carlos.

De 17 a 19 de março de 2014
na Universidade Federal de São Carlos 
(Auditório Bento Prado)

O III Seminário Internacional: Infância e relações étnico-raciais está sendo organizado pelo Grupo de Pesquisa “Estudos sobre a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença” em parceria com o curso de Especialização em Educação Infantil da UFSCar e com o apoio da UFSCar, MEC, CAPES e FAPESP e tem como objetivo promover um diálogo com pesquisadores internacionais sobre temas ligados à infância.

No primeiro Seminário, realizado em 2012, recebemos o professor Michel Vandenbroeck (Universidade de Ghent, Bélgica), debatendo o tema "Diversidade e Infância". No segundo Seminário Internacional, realizado em 2013, recebemos o professor Manuel J. Sarmento (Instituto de Estudos da Criança - Universidade do Minho, Portugal), para discutir o tema "Sociologia da Infância" e na terceira edição deste evento, que ocorrerá entre os dias 17 e 19 de março de 2014, temos o prazer de receber o professor Pap Ndiaye, que foi professor da EHESS (École de hautes études en sciences sociales) e atualmente é professor da Universités Sciences Po. Paris.

Os seminários realizados pelo grupo objetivam promover debate com pesquisadores nacionais e internacionais a respeito de questões e pesquisas ligadas à Sociologia da infância e à Educação Infantil, além de se constituírem como momentos pontuais de formação para os profissionais da área. Trata-se de uma atividade aberta à participação da população em geral e um momento ímpar de diálogo de grupos de pesquisas com os pesquisadores convidados.

Paixão.

Imagina se na graduação eu tivesse um professor que me dissesse que não haveria avaliação, que eu não erro e por isso não preciso fazer nada que me diga quanto eu acertei. Imagina um professor que me dissesse que eu só posso fazer o que eu escolher fazer e não o que ele mandar. Imagina (os/as estudantes não entenderam muito, eu vi).
Mas, não. Eu não tive isso. Só o conheci ontem, na pós-graduação. E, novamente, fiquei apaixonada pela minha profissão. Todas as vezes que o ano começa, alguma coisa como essa, me dá a certeza de que fiz a coisa certa com a minha vida. E me dá forças para aguentar mais um ano naquele lugar. 
Indo totalmente contrário a isso, o que eu tive ano passado foi uma professora que me deu nota B porque meu trabalho final estava aquém do esperado. Ela só não conseguiu me fazer entender como este trabalho conseguiu ficar tão ruim, se era o mesmo no qual eu trabalhei o semestre inteiro, durante as aulas, sob supervisão dela. Não gosto de receber B, principalmente quando me dedico à disciplina. Investigo, quero saber, reclamo, vou lá, falo, não gosto. Quando mereço, pergunto o motivo e fico quieta, na minha. Sei que tenho culpa no cartório. Mas nesse caso em questão, não, eu não concordei. Não acho justo não poder refazer o trabalho. Acho que deveria ser o mínimo. 
Pessoas e coisas. E avaliação, algo que não é, definitivamente, nada objetivo. 

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Concha Buika.


Onde eu estava que nunca tinha ouvido essa mulher? Qualquer dor e felicidade fica mais sentida ouvindo tudo que ela cantou. Pode ser qualquer uma, escolhi essa porque toca agora, aqui. Aqui mesmo.

O Menino e o mundo.


Melhor que O Garoto Cósmico, do mesmo diretor. Com Naná Vasconcelos na trilha sonora, entre outros. Mas não gostei de tudo. Aproveitei e revi Cine Roliúdy, já divulgado aqui. Hoje, emocionei-me de novo com o filme (e reconheci Jesuíta Barbosa ali!). O filme é uma história de amor. De verdade.  Aliás, dizem que todos os filmes são.

Música do momento (Amanda).

Não seria bem pra Amanda, mas eu queria bem cantar essa música agora (quase sinto a brisa do mar perto de casa ouvindo Jau, é sempre assim, ele me faz feliz):

Amanda

O teu olhar é brilho é luz
Teu charme encanta e me seduz
Inspira-me compor canções
Eu gosto de te ver chegar
Sou tua alegria em meu olhar
E o dia fica maravilha
Maravilha é ouvir tua voz
Dedicando pra mim um "bom dia"
Perguntando-me como estou
Tudo isso me dá energia
Fascinante é tocar você
Sentir sua pele macia
Te abraçar com beijo de amor
Tudo isso me arrepia

E eu me sinto no céu
Flutuando no ar
Perto das estrelas
No mundo da lua
Eu mergulho na onda, em plena maré cheia
Eu balanço quando vejo você
Tudo clareia



Agenda Centenário Carolina Maria de Jesus.


Eu sei, você quer uma também. Manda um email para Ana Cruz (poligualdaderacial@yahoo.com.br). Pena que só descobri agora. Tem essa outra, linda também. Eu estou na dúvida, mas, pra dar uma força, fico com Carolina. Ou com as duas?
Essa é a dúvida do dia.

terça-feira, fevereiro 18, 2014

Excluir conta.


Depois da exclusão, eu que adoro fotos, fico com saudade. Vai umas que nem tão boas assim, me lembram coisas e pessoas e me fazem feliz. 

                                                                              Salvador, 2013.

         Eu querendo convencer alguém (mais Hugo), Salvador, 2012.

                                                   Hugo quem tirou, Salvador, 2013.

                                                 Hegel quem tirou, São Paulo, 2013.

Um sorriso negro...


... e com alguns dentinhos brancos.

Ayo Makeba, um ano e um dia, filha de Eliane mais Márcio. 

Casal.

Eu não vou desistir de acreditar. No amor, nas crianças, nas pessoas, na esperança. Há casais que me lembram que é possível, mesmo com todos os problemas do mundo. 
Eu agradeço por conhecê-los. Estive com um destes casais neste último fim de semana. Ouvir coisas como 

Você experimenta um amor de outra maneira quando vira mãe. É alguém que nasceu de você e de alguém que você ama

Só isso faz você renovar forças, sorrir um sorriso mais bonito, fé. Sem ilusões nem romantismos, eu estou falando de um amor puro, que sabe a força que tem. 

Doze anos de escravidão.


O filme relembra que "ser um negro extraordinário", numa sociedade racista, "não é nada bom". Que dizer então de "ser uma negra extraordinária", em tempos como hoje? Será que ainda "não é nada bom?"

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Cordeiros (vergonha de ser baiana).

Estava na estação rodoviária esperando e a jornalista correspondente em Salvador é chamada no jornal nacional para comentar das vagas de emprego no carnaval de Salvador. Sem nenhuma vergonha na cara, ela diz:

[...] E temos também 800 vagas para cordeiros no carnaval. Para todas as vagas apresentadas, é necessário ter pelo menos três meses de experiência

Fiquei pensando quem em sã consciência iria ter três meses de experiência segurando uma corda no carnaval. Uma das vergonhas de ser baiana, o trabalho de "cordeiro" (que em tese vem do ato de segurar a corda, mas pode se aplicar á ideia de subserviência, visto que são também chamados de cordeiros aqueles que são manipulados) faz-me sentir a pior pessoa do mundo. Fiquei sabendo que este ano estão pagando 65 reais, além da garantia do material de proteção (alguns anos atrás, não era obrigação do "empregador"). 

E não se enganem: muitos dos chamados "cordeiros", são na verdade mulheres. Negras.


Há um documentário de Amaranta César e Ana Rosa Marques falando sobre isso. Veja se dá pra ver ainda por aqui

O que eu não entendo: para que as cordas? Para proteger os turistas (em sua maioria brancos) da população baiana (em sua maioria negra)? Ora, a rua não é do povo como o céu é do condor (disse Castro Alves, nome da praça onde há muitos encontros de trios elétricos no centro da cidade. Assim como o tamanho da praça que leva seu nome, sua voz diminuta não ecoa na cabeça das gentes)? Caetano diz que a praça é do povo como o céu é do avião. Mas não adiantou nada reeditar a frase e não falar nada sobre esse serviço que só serve para segregar pessoas. Poucos artistas baianos denunciam esta prática e se dizem contra este trabalho escravizante. Pelo que me lembro, só Daniela Mercury falou alguma coisa contra. Eu? Não compactuo com isso. Diga o que quiserem, não tem necessidade. As cordeiras só existem por causa da indústria que é o carnaval, feito pra turista curtir. Muita gente diz que vai na pipoca, fica do lado de fora das cordas e curte tudo igualzinho (pro som ainda não inventaram barreira acústica no meio da rua). Talvez isso seja um modo de resolver as coisas e achar que, no fim das contas, está-se dando "um baile" na situação. Eu sempre preferi viajar. 

A Praça

"A praça é do povo!
como o céu é do condor".

É o antro onde a liberdade
cria águias em seu calor.
Senhor,pois quereis a praça?
Desgraçada a população!
Só tem a rua de seu...
Ninguém vós rouba os castelos,
Tende palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
Mas embalde...que o direito
Não é pasto de punhal
Nem a patas de cavalo
Se faz um crime legal...
Ah! não há muitos setembros!
Da plebe doem-se os membros
No chicote do poder,
E o momento é malfadado
Quando o povo ensanguentado
Diz: já não posso sofrer.

Castro Alves
(1847-1871)

O único orgulho que eu tenho é que, morando em Salvador quase a maior parte da vida, nunca fui ao Carnaval. A única vez que passei pela festa foi quando, saindo da Mudança do Garcia, dei de cara com o Psirico no Campo Grande. Fiquei uma meia hora na festa, esperando o Ilê passar. Como sou fraca, cansei-me e fui-me embora. Nunca me atraiu. Muitas vezes, dei desculpas esfarrapadas às pessoas que me chamavam para lá ir. Como estou ficando velha, acho que não preciso mais inventar. 
Rio de Janeiro, Recife, só pra citar duas cidades, não tem corda no Carnaval. Tem outras coisas, mas não tem  isso.



sábado, fevereiro 15, 2014

Negrissa.

Desci do ônibus para ir ao banheiro e quando eu voltei ela estava sentada em meu lugar. Uma senhora negra com algumas sacolas. Disse que eu estava ali e ela fez um ar de surpresa, mesmo vendo alguns dos meus pertences sobre o banco. Permiti então que ela ficasse à janela, eu ficaria no corredor. Ela não pareceu entender que eu tinha feito um favor, antes postou-se cômoda na minha poltrona e fez alguns resmungos. Na hora, lembrei-me de uma amiga que me disse, no Jardim Botânico do Rio, quando vimos uma senhora negra andando com dificuldade e que nos perguntou onde ela poderia fazer um piquenique sossegada. Essa amiga me disse: 

Você não acha que quando essas coisas acontecem é porque estão a nos dizer alguma coisa? Digo, ela anda bem parecida com Nanà, mas não é que ela é Nanà. Talvez ela apareça só pra nos lembrar de algo. 

Fiquei pensando no que Negrissa queria me lembrar. Começamos a conversar, ela me contou da sua vida resumidamente, como já tivesse feito isso muitas vezes, para várias pessoas diferentes. Falou pouco, mas disse muito. Pelas minhas contas, tinha 76 anos. Tinha saído de Marília com 16 rumo a Dourados e lá ainda estava, sessenta anos depois. O marido morreu, ela tinha casado com outros homens, tentado algumas vezes, mas agora estava só. 
Tinha nove filhos, mas pariu catorze. Umas das coisas que emocionou-me quando disse foi: 

Eu nunca trabalhei pra ninguém. Nunca fui doméstica, nunca trabalhei na casa de ninguém. Sempre trabalhei pra mim, na roça ou costurando. Ensinei isso pras minhas filhas, mas algumas delas, pra ter algum dinheiro, foram empregadas. Mas eu não queria isso, eu nunca gostei de trabalhar na casa de ninguém. 

Negrissa quebrou um ciclo vicioso e doentio imposto às mulheres negras desde que aqui chegamos à época da escravização. Disse não a um dos poucos trabalhos vistos como possíveis de serem feitos por nós, com todos os problemas que essas decisão pode ter trazido para ela (eu imagino as dificuldades, eu não condeno quem diz sim. Estou apenas contando uma outra versão da história). Negrissa quebrou o ciclo, mas comprovando como essa ação é ousada e difícil de manter, a geração posterior à dela não conseguiu permanecer firme. 

Ela e eu cochilamos. Fiquei pensando no que ela disse e não consegui entabular mais conversas. Ela contou mais algumas coisas, como uma cirurgia no olho que havia acabado de fazer, sobre seus vinte netos/as e dois bisnetos. Quando a viagem acabou, despedi-me dela com um beijo no rosto e um abraço forte. Agora, quando lembro desse momento, sinto que poderia chorar se ao invés de escrevendo, estivesse contando em voz alta para alguém. 

Depois disso, ouvi minha amiga contando que seu pai fizera o mesmo movimento com relação ao trabalho doméstico: decidiu não trabalhar para os "brancos", como ele falava, tendo uma roça e vivendo do plantio e da colheita desta durante toda a vida. Minha amiga disse que quando pequena, não entendia porque seu pai demonstrava tanto desprezo pelo grupo social que subjugou o povo negro, sempre vociferando palavras de ódio contra eles. Hoje, ela entende melhor. Com essa decisão,  não acumularam nada, não tiveram patrimônio para deixar às crias, mas também não se renderam. Minha amiga, desta família de seis filhos, é a única que possui mestrado em Letras. O pai dela, antes de falecer, tinha certeza que ela estava estudando para ser médica, visto que o estudo nunca acabava. 

Fiquei pensando então, que este modelo de "revolta" é uma das muitas estratégias elaboradas por negras e negros pós-abolição, visto que ainda hoje temos mulheres e homens negros que se negam a fazer este tipo de serviço. Merece estudo, merece registro. 

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Nota de falecimento - Daniel Reverendo

Muita tristeza por aqui. Nosso querido Daniel Reverendo voou para o lado de lá. Amigo, músico, compositor, cantor, instrumentista, poeta, artesão, grande cachuerense, mestre da cultura popular afro-brasileira, Daniel foi para o céu de Aruanda ontem à tarde, por complicações do coração. 




Tantas boas lembranças ele nos deixa: seu largo sorriso, suas lindas músicas, os tambores por ele construídos, entre outras.

Saravá!!!!!!




Nosso poeta se foi

Daniel, nosso poeta 
nosso profeta
por que nos deixa tão cedo ?
não lhe importava o corpo falhando 
preferia a luz da fogueira sempre acesa
pouco ligava para regras ou medidas
cuidava é do fluxo incessante das melodias
também não prestava atenção quando diziam (os amigos): te cuida, cara!
atentava, sim, para a conexão com as altas esferas 
Espíritos de Luz!
vivia pelas ingomas respirando toques 
destilando ritmos
pra cura dos males do mundo

Daniel, nosso nganga
nosso capanga 
cachuera!
chique no último capenga
atravessou a porteira
pra lançar no infinito seus gritos de sonho
como tantas vezes fizeste
em terreiro cachuerense
eco dos teus passos inda soa 
nas trilhas que dividimos

Daniel, nosso irmão, agora é tarde
tinhamos ainda tanta coisa pra falar
tanto riso pra rir
mas - a vida ao findar é mesmo assim - 
não se apaga a luz ao sair 
agora, a cachuera é de lagrimas 
e lava
louva, 
purifica, 
abre caminho,
no lugar onde estiver, amigo
recebe nosso carinho


Paulo Dias

Niketche.

                                                                   Pauline Chiziane, autora de Niketche


Há mais de quatro anos, um amigo vem me falando para ler Niketche. Moçambicano, conhecia a obra bem antes de vir para o Brasil. Comprei o livro no ano passado, e estava na lista de livros para ler. A vez dele chegou. Devorei 100 páginas de uma só vez e voltei para começar de novo. Vai ser daqueles livros que eu não quero que acabe.

Niketche: uma história de poligamia conta parte da vida de um mulher que procura saber porque seu homem tem outras mulheres. Ela parte em descoberta disso e acho que em busca de descobrir quem ela é ou que mulher se tornou, na lida com esse homem. Há várias passagens que me emocionaram, não daria para escrevê-las todas aqui. Especialmente agora, na situação em que me encontro, eu própria perdida e confusa em sentimentos não tão meus, mas sentidos em mim.


Reproduzo aqui apenas um dos pensamentos altos de Rami, uma de muitas heroínas que conheço:

Amor. Tão pequena, esta palavra. Palavra bela, preciosa. Sentimento forte e inacessível. Quatro letras apenas, gerando todos os sentimentos do mundo. As mulheres falam de amor. Os homens falam de amor. Amor que vai, amor que vem, que foge, que se esconde, que se procura, que se encontra, que se preza, que se despreza, que causa ódios e gera guerras sem fim. [...] O amor é fugaz como a gota de água na palma da mão.

Um amigo perguntou-me se para o amor havia tempo. Se se podia amar por um mês, por dois segundos. Eu acho que sim, eu acho que eu não posso julgar o amor alheio. Se alguém diz que ama, eu acredito. Mas eu também acho que é preciso ter coragem para reconhecer que dizer que ama alguém traz responsabilidades, por isso talvez algumas pessoas levem mais tempo para dizer que amam. Amor é compromisso, é cuidado. Não serve só para descrever uma sensação boa de companhia, uma vontade de ficar perto. Acho que nós exercitamos tão pouco nosso vocabulário amoroso que, quando estamos plenos, felizes demais, a gente acha que só um eu te amo vai servir para dar a dimensão do que estamos sentindo. E a gente fala. E a gente quer ouvir também. Mas às vezes, um "eu vou ficar contigo mesmo com todos esses problemas rondando nossa vida" contenha mais amor que eu te amo.

Recentemente, imaginei se eu continuaria namorando se a pessoa com quem eu estava sofresse um acidente e ficasse tetraplégico. Não soube responder e chego a pensar que a resposta final seria não. Ao mesmo tempo, nunca tinha duvidado do meu amor por ele. Ficaria junto se ele tivesse um filho com outra mulher? Talvez. Ficar junto, quando tudo ao redor parece dizer não, isso talvez contenha mais amor do que a frase eu te amo.

Um amigo disse "tem o gostar e tem a poesia do gostar". Os dois são bons, mas é preciso estar certo das consequências que cada uma dessas coisas implicam. O que me preocupa é perceber que as pessoas falam e fazem coisas como se pudessem não pudessem implicar outras. Eu te amo, mas agora não quero mais pra depois querer de novo? Isso tem implicação. São escolhas, e é preciso lidar com as consequências.

Me pego paranóica com isso porque talvez eu sempre tenha tido que pensar no que vai ser. Não tive muitas possibilidades de viver "ao sabor do vento". Quando pequena, lembro de mainha estocando alimentos por medo de perder o emprego. Hoje, acho que no plano material ou emocional, espiritual, eu fico me perguntando onde as minhas decisões vão me levar. Acho que isso pode ser qualidade ou defeito, mas acredito que seja parte de minha pequena natureza humana.

É preciso sustentar o amor, ele não vai sozinho. Mais jovem, eu não achava isso tão importante. Ficava nessa de curtir o momento. Com a idade, eu aprendi que posso curtir e sustentar. Uma coisa não exclui a outra.

Amor, sabe? É tudo isso também, mas precisa ser mais. Porque é.


Conselho de Classe.

Peça de teatro, Companhia dos Atores.
Um deles diz:
A gente passa mais tempo no trabalho do que na vida.

Eu não quero sofrer disso.

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Certas Coisas.

Minha tia tinha umas fitas cassetes com várias músicas de Lulu Santos. Eu lembro disso, a gente ouvia sempre quando eu era adolescente. Eu sempre gostei demais dessa música dele:

Não existiria som
se não houvesse
o silêncio
Não haveria luz
se não fosse
a escuridão
A vida é mesmo assim
dia e noite
não e sim

cada voz que canta o amor
não diz tudo que
quer dizer
Tudo que cala fala
mais alto
ao coração
Silenciosamente
eu te falo
com paixão

eu te amo calada
como quem ouve
uma sinfonia
de silêncio e de
luz

nós somos medo e
desejo somos

feitos de silêncio
e som
tem certas coisas
que eu preciso dizer


A vida é mesmo assim
dia e noite
não e sim

eu te amo calado
como quem ouve
uma sinfonia
de silêncio e de
luz
nós somos medo e
desejo somos
feitos de silêncio
e som
tem certas coisas
que eu não sei dizer


Eu gostava por causa da ideia de contraste que a música traz. Mas hoje ela estava passando no rádio, quando eu entrei numa lanchonete que eu ia sempre num tempo atrás. Não sei na voz de quem era, não era na de Lulu, mas lembrei-me das fitas cassetes, de minha tia e do aconchego que a meninice levou.

Gloria.


terça-feira, fevereiro 11, 2014

Jardim Europa.

Nada na vida (pelo menos não na minha) é por acaso. O filme ainda não tem trailer no Youtube, ponho uma sinopse dele aqui. Um bate-papo com o diretor uruguaio Mauro Vedia fez o filme ter mais sentido ainda na minha cabeça. 

Cartaz de divulgação do filme

Eleonora e seus três filhos, Luís Felipe, Ana Luiza e Mariana, vivem no bairro de Jardim Europa. Apesar do dinheiro contado, eles não deixam o luxuoso bairro por nada. O escritor Luís Felipe frequenta um sebo, onde conversa com o dono Juarez e o empregado Pampolini, um morador de um bairro pobre da zona leste. Quando Alberto, o pai falido, volta para casa, a vida dessa família decadente vai mudar completamente... (Adoro Cinema)

Chamamento - Cadastramento de Comunidades Tracidionais de Matriz Africana.


(com título).

É mais feliz quem sente do que quem fica de cara feia.
Odeio os não-sentimentos, se é que eles existem em algum canto do planeta.
Gente que finge desafeto (acaso haveria palavrão maior que des-afeto?)
Sofre mais quem fala?
Eu não sei.
Eu não ligo.
Só me preocupo em dizer o que sinto.
Eu digo pra mim mesma, cantando no chuveiro ou conversando sozinha, indo pra casa.
Estou feliz por ter dilemas como "casar e ter filhos" ou "fazer uma viagem internacional".
Eu realmente não tenho queixas a fazer da vida.
Tenho, ainda, todos os sonhos para sonhar.
E alguns deles, para comer (de goiabada, por favor).


"Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras": Resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos.

Clélia Prestes

"Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras
Resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos"

Dissertação de Clélia Prestes (Mestrado em Psicologia Social - USP)

Download: Abrindo o link abaixo, clicar em "prestes_corrigida.pdf" ao final da página

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-31012014-091149/pt-br.php

segunda-feira, fevereiro 10, 2014

(sem título)


Das coisas mais simples, do sossego certo.
Da bagunça que fica minha cabeça com o telefonema inesperado.
Do pulsar do coração e ele saindo pela boca.
Das palavras escritas, furtivas, do gesto.
Do carinho, do sorriso, da verdade.
Das inseguranças e fraquezas.
Dos medos.
De segurar na mão (mas isso eu não sabia).

Viva o Samba!



A terceira edição do projeto Nivea Viva que percorrerá seis capitais em 2014, terá como inspiração o samba, adiantando as comemorações do centenário do gênero que teve como marco inicial o registro da canção “Pelo Telefone“, de Donga e Mario de Almeira, em 1916.

Martinho da Vila, Alcione, Roberta Sá e Diogo Nogueira formam o elenco que dará voz a clássicos de Carmem Miranda, Aracy de Almeida, Linda Batista, Eliseth Cardoso, Clara Nunes, Beth Carvalho, João Nogueira e Cartola, entre outros.

Como nas edições anteriores, que trouxeram Viva Elis com Maria Rita em homenagem a Elis Regina e controverso tributo Viva Tom Jobim na voz de Vanessa da Mata, os shows serão gratuitos e realizados em espaços abertos. A direção artística do espetáculo será de Monique Gardenberg.

A agenda do Nivea Viva O Samba, ainda sem os locais definidos:

Porto Alegre
Dia: 16 de março

Rio de Janeiro
Dia: 23 de março

Brasília
Dia: 6 de abril

Recife
Dia: 13 de abril

Salvador
Dia: 27 de abril

São Paulo
Dia: 25 de maio

Mostra Cinema de Santo.



Mostra chega a Salvador para discutir representação das religiões africanas no cinema nacional
Programação acontece entre os dias 14 e 19 na Sala Walter da Silveira


O amuleto de Ogum, Nelson Pereira dos Santos, 1974

Após passar por Cachoeira, será a vez de Salvador receber a Mostra Cinema de Santo, projeto dedicado à exibição e discussão de filmes brasileiros com temática religiosa, em particular os relacionados às religiões de matriz africana. A programação, que começa nesta sexta-feira, inclui uma mostra retrospectiva de filmes, mesas de debate, exposição de cartazes dos filmes em exibição e catálogo do evento.


Devoção, Sérgio Sanz, 2008

A Mostra Cinema de Santo começou na última sexta-feira (7) e até o dia 13 estará no Recôncavo, desembarcando em Salvador na sexta, 14. Na capital baiana, quem recebe o projeto é a sala Walter da Silveira, localizada na Biblioteca Central dos Barris, onde serão exibidos filmes de longa, média e curta-metragem. No total, serão 40 filmes que misturam etnia, discurso político, magia, feitiço, religião e nacionalismo. O projeto é uma realização da Secult, com apoio da Dimas e da UNE.

Entre os filmes exibidos estão: O Amuleto de Ogum (1975), de Nelson Pereira dos Santos; Anjo Negro (1972), de José Umberto Dias; Copacabana, Mon Amour (1973), de Rogério Sganzerla; O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha; Devoção (2008), de Sérgio Sanz; Jardim das Folhas Sagradas (2010), de Pola Ribeiro; e O Fio da Memória (1989), de Eduardo Coutinho, cineasta morto no último dia 2 de fevereiro.
Essa notícia saiu no Ibahia.
Por essas e outras, Salvador. Saiba mais sobre a mostra Cinema de Santo aqui.

O jardim das folhas sagradas, Pola Ribeiro, 2011

Domeniko.

O nome dele escrevia assim mesmo. Puxou papo comigo no avião. Pra muitas pessoas, um intrometido. Me viu escrevendo um email no Ipad e perguntou se lá em cima tinha conexão. Expliquei que não, que só tava adiantando as coisas. A conversa começou.

Domeniko foi uma das melhores companhias de avião que já tive. Tanto que, quando desci do avião e peguei o ônibus até o metrô, a moça que estava ao meu lado e que também viajava comigo no voo disse que tinha ouvido nossas risadas da fileira de trás. Domeniko tinha ido fazer um concurso público e tinha machucado o pé na praia num ouriço-do-mar. Reclamava que comissários não eram amáveis quando passavam pelo corredor e batiam no seu ombro. 

Tendo nascido paulista, morado em Goiânia e agora vivendo em Brasília, era uma incógnita pra mim. E ficou mais ainda quando revelou seu profundo interesse por questões espirituais. Contou-me algumas de suas experiências em alguns grupos que despertavam para a espiritualidade e o autoconhecimento. Fiquei interessada, ouvi atentamente e já procurei informações via Google. 

Domeniko tinha um bom astral, me falou da sua mulher e filha. Perguntei o segredo da felicidade depois de 14 anos juntos. Ele me falou do amor que sente pelas duas, e que o casamento vale a pena (aliás, eu encontro bastante homens que pensam assim por aí. O taxista que me levou para Ponta Grossa me falou das belezas do casamento - enquanto que aquele que me trouxe de volta à Curitiba falou o contrário de tudo que o da ida. Além destes, uma outra companhia de viagem me falou de sua história de amor com a mulher que já durava uns bons oito anos).

Disse que ainda há tesão e sentimento, e que sem independência financeira ele talvez não se sentisse seguro para sustentar o amor. Por isso, faz o que pode para ter um emprego no qual possa dar um conforto à sua família. Ele disse que sente desejos por outras mulheres. Mas não acha que uma noite vale por tudo isso que conquistou. Há outros prazeres além do sexo, é preciso descobrir. Eu fico preocupada se, num mundo tinder, as pessoas vão conseguir descobrir esses outros prazeres além do sexo. A coisa do pegue e pague acelera e tira o gosto de muita coisa que tem sabor na vida. E aí talvez, vá saber, o sexo se torna, além de uma das poucas formas de prazer, um modo de demonstração possível de masculinidade para homens com poucos recursos para sentirem-se homens. 

Eu sei que muitos homens pensam como Domeniko, mas não dispoem de oportunidades. Mas sei também daqueles que, tendo possibilidades de encontrar-se num relacionamento, omitem suas fraquezas e dizem que o fim do casamento é sempre um problema fora deles. Pra esses, talvez funcione uma coisa chamada autoconhecimento. O que não vem, necessariamente, com a solidão. Pergunto a ele se a mulher o acompanha nessas empreitadas. Ele diz que ela é cética. E muda de assunto. Era bonito ver que ele tinha e vida e crença própria, mas isso não bagunçava o que ele sentia por ela.

Ele me deu seu cartão de visitas, é advogado. Nunca se sabe quando podemos precisar de um. Disse "minha mulher é ciumenta", e riu. Eu ri também. 



sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Das indecisões.

Eu queria ter umas coragens.
Mas fico pequenina em frente às coisas que não sei lidar.
Medos, inseguranças, tristezas e sms.
Eu queria poder dizer mais coisas, mas algumas poucas vezes me calo.
Porque sei que pareço certa demais e queria ser confrontada mais vezes.
Eu sei que pareço difícil, e no fundo eu devo ser mesmo.
Mas ainda assim, quero colo e carinho.

Gosto dos meus amigos e amigas que não acreditam em mim.
Aqueles que não ligam para o que dizem e seguem firme achando que algum dia eu vou falar menos e ouvir mais.
Gosto também dos meus amigos e amigas que descobrem que, no final das contas
Só sou alguém tentando ser feliz.

Luz Negra, fotografias de Robério Braga.


quinta-feira, fevereiro 06, 2014

2014.

Minha única meta do ano é aprender a andar de bicicleta.

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Recriação.


O sol chegou, iluminou você
E fez o mar multiplicar o som
Então as ondas teimaram em fazer
Imagens do tempo do não dizer
Os versos foram feitos pra falar
Que a vida inteira procurei você
E a poesia se criou então
Se fez concreta imaginação

Você chegou, iluminou o sol
E todo o mar se recriou em céu
Eu mergulhei nesses azuis plurais
E as estrelas se apagaram em luz
Abri meus versos pra poder contar
Que a vida inteira não espero, não
A poesia encontrou você
Que deu imagem a toda criação

(Caio Silveira Ramos, na voz de João Borba)


Dez linhas.



Eu não sou ninguém
Como tu sabes,
Amor
Só tenho a vida
Só tenho a alma
Que Deus me deu
Se tu me queres bem assim como eu sou
Eu serei
De corpo e alma
Sempre teu amor


(de Manacéa)


Mãe e filho.

Numa conversa de amigas, a gente falando sobre como alguns homens relacionam-se com a gente tendo como referência a figura materna. Eu disse

a gente não tem tantas referências de relacionamento fora do círculo parental, dando certo ou não. a gente tem pouca experiência com relacionamentos, no geral e estamos a cada dia desaprendendo mais. daí que a gente se apega nas poucas referências que temos - a relação mãe e filho é uma delas - e também reproduzimos a mãe do cara, e eles não dizem não porque também se sentem confortáveis nessa condição. não acho que a relação de mãe e filho é perfeita, mas é uma das poucas que a gente conhece que dizem que existe um amor chamado de incondicional. só que o lance é que amor de homem mais mulher não é incondicional. não rola isso.

Minha amiga emendou

e a gente tá num outro tempo, trinta anos sem filhos, talvez a gente acabe reproduzindo essa parada ainda mais com os caras...

E eu de novo:

a gente vira mãe porque às vezes é o único jeito que a gente acha de se aproximar do cara, das pessoas ao redor dele. é só esse amor que pode, que conhecem, que dá certo. e a gente vai vivendo, empurrando, cedendo, quando vemos... sempre achamos que estamos sendo "meio mãe", mas a gente também não sabe fazer de outro jeito muitas vezes. algumas vezes, até achamos que só existe esse jeito de fazer. eu fico pensando que... quando o cara precisa acordar cedo para fazer uma prova, a mãe é aquela que levanta antes, faz o café e fica lá, chamando-o de dez em dez minutos. a gente deveria só acordar, dar um toque e voltar a dormir. se ele não for, é da conta e risco dele. mas, de algum modo, a gente acha que amor, amor mesmo, é só se a gente fizer igualzinho à mãe. não estou pondo a culpa nas mulheres. estou dizendo que, nós e eles estamos enrodilhados nisso. precisamos aprender outros modos de relacionamento, isso faz mal para todo mundo, não só para os caras que são tratados como filhos, mas para nós também. como eu já disse, sigo achando que precisamos aprender a sentir tesão por alguém com quem a gente divide os sonhos, com alguém que somos cúmplices. isso não é fácil e a gente não está aprendendo isso. eu acho legal quando, pelo menos, a gente tem consciência disso tudo e conversa pra ser melhor. 

E como casar isso? Eu não sei. Eu só sei que vai ser bem legal quando a gente conseguir ser livre. Poder ser tudo e não ser nada. 

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Intimidade.

A saudade que eu tinha
Era de um tempo bom
Dele do sabor do desejo
Da palavra do nome do sorriso
A saudade que eu tinha

A saudade que eu tenho
Me leva pra perto dele
Me faz lembrar das promessas
Da rede
Da cigana
A saudade que eu tenho

A saudade que vai ficar
É por causa da certeza
Que tudo dele
Não sai
A saudade que vai ficar
Que já está.


Penis Passion, por bell hooks.



bell hooks

Trabalhando num poema inspirado pela alegria de fazer sexo no menor estúdio do mundo, sentada sobre uma velha poltrona pintada de vermelho onde passo a maior do tempo escrevendo, busco por palavras para descrever a sensação de sentar ao colo da doce luxúria movendo meu corpo para trás e para frente contra o delicioso, quente e úmido pênis de meu amante A. Entre os pênis que vi e toquei neste mundo, o dele é que me dá maior sensação de prazer. No entanto, é difícil encontrar palavras para descrever o prazer que sinto que não perpetuem o convencional pensamento sexista sobre o pênis.

Mulheres encontrando e expressando prazer no corpo masculino durante muito tempo foi um tabu completo. Antes do movimento feminista e da liberação sexual contemporâneos, nós mulheres não falávamos muito a respeito de nossos sentimentos sobre o pênis. Sem dúvida então que quando nós finalmente demos a nós mesmas permissão para falar o que quiséssemos sobre o corpo masculino – sobre a sexualidade masculina – nós ficávamos ou em silêncio ou meramente ecoávamos narrativas que já estavam em uso.

No final dos anos 60 e início dos 70, mulheres heterossexuais ativas no movimento feminista falavam frequentemente de forma corajosa e orgulhosamente sobre o pênis, usando a mesma linguagem de conquista sexista que homens usavam quando falavam de suas caçadas sexuais. Naqueles dias nos grupos de elevação da consciência feminista, nós não somente conversávamos a respeito de como mulheres tinham se tornado mais confortáveis com palavras como “boceta” e “xoxota”. Desse modo, homens não poderiam nos estarrecer ou nos envergonhar ao manejar essas palavras como armas, nós também tínhamos que ser hábeis em falar sobre “paus” e “pintos” com a mesma facilidade. A liberação sexual já tinha nos dito que se quiséssemos satisfazer um homem tínhamos que nos tornar confortáveis com “chupetas”, de ir fundo com o pau em nossa garganta até o ponto que machucasse. Desistindo de nossa agência sexual, tínhamos que aceitar a dor a fingir que ela era na verdade prazer.

Intervenções feministas sobre a questão da sexualidade, junto com um sofisticadas formas controle de natalidade, mudaram isto. Era dito as mulheres que queriam ficar com homens que nós tínhamos o direito de definir o lugar do prazer para nós e a vontade de afirmar nossos direitos sexuais. Isto nos fez entender que não tínhamos que consentir com a força ou fingir apreciar dor. Isto nos fez entender que o pênis não era uma cobra de um olho só saindo do bolso de uma calça no jardim do júbilo sexual, ameaçando transformar nossos corpos em um lugar em que a dor define, penetra e pune. Não precisávamos vê-lo [o pênis] como inimigo.

Como muitas jovens que chegaram à idade naquele intenso e extasiante momento quando liberação sexual e movimento feminista convergiram, eu também deixei de lado o medo do pênis que assombrou minha infância. Esses medos estavam enraizados não em inveja do pênis ou do corpo masculino, mas na raiva de que ele tinha que ser temido. Naqueles dias a mensagem sobre o corpo masculino que mulheres recebiam alto e claro era que, quisessem ou não, a penetração poderia mudar a vida de uma garota para sempre. Ela nunca mais seria a mesma; ela nunca seria boa/pura outra vez. Lembro-me da pura felicidade que o controle de natalidade nos ofereceu. Ele significava que não tínhamos que temer o pênis. Podíamos aceitar nossa curiosidade sobre ele, nossas dúvidas e nossa paixão.

Quando garotinha eu pensava no pênis como uma varinha mágica. Mágica porque ele poderia se mover e mudar a sua forma; sementes poderiam sair dele e chegariam a vida dentro do corpo de uma mulher. Eu só tinha visto o pênis de um bebê – não era inveja que eu sentia, mas curiosidade. Eu temia por ele e sua varinha mágica, tão exposta, tão fácil de ferir e machucar. E como tantas garotas já testemunharam, eu estava aliviada que meus genitais femininos não eram para fora, expostos, visíveis.

Este senso de fascinação e apreciação infantil do pênis mudou quando avisos sobre o perigo sexual e a ameaça que o corpo masculino destruiria a inocência feminina tornou-se a norma. Naqueles dias não havia nenhuma discussão sobre paixão feminina. Em meu imaginário sexual a varinha se transformou em arma, somente homens a usavam para nos rebaixar, nos destruir.

Sem dúvida que mulheres se maravilharam quando controle de natalidade e a insistência feminista sobre agência sexual feminina tornaram possível para nós refletir sobre o pênis de uma nova forma. Nós podíamos vê-lo como um instrumento de poder e/ou prazer. Podíamos nos abaixar entre pernas masculinas, nos abandonarmos em mistérios e levantarmos saciadas e satisfeitas com o entendimento que podíamos dar e receber prazer sexual. Podíamos expressar nosso incomodo em expressões como “chupetas” (blow job), a qual assumia que toda vez que chupássemos um pinto isso era uma espécie de trabalho que fazíamos somente para agradar aos homens.

Uma geração posterior, mulheres vivendo na nova cultura de liberdade que o feminismo e a liberação sexual produziram, iriam de início abordar o pênis ausentes de medo. Escrevendo sobre a chegada ao poder sexual na sua puberdade em Promiscuities, Naomi Wolf se recorda como rapidamente ela e suas amigas deixaram de pensar em “chupar pintos” como algo estúpido para passar a um interesse apaixonado: “Dentro de um ano, nós estávamos obcecadas. Nem tanto com o pênis em si... mas muito mais com o que eles eram – a improbabilidade deles, a bela bizarrice, a maneira que eles estranhamente cresciam por vontade própria e estranhamente desafiavam a gravidade, sua insondável responsividade.” Mas a conversa feminina sobre fascinação com o pênis frequentemente se limita as recordações da infância e puberdade. Não porque cessa-se de se encantar, mas porque os aspectos de encantamento do pênis perdem seu charme quando vinculados a estratégias de dominação masculina.

Embora feministas contemporâneas tenham trabalhado duro nos anos 70 para chegar a novas maneiras de falar a respeito de agência sexual feminina em relação ao pênis, novas palavras não caíram no uso geral. Mulheres individualmente davam engenhosos e bonitinhos nomes aos pênis de seus parceiros, mas no final de tudo, não houve uma revisão largamente aceita de como nós todas poderíamos ver e experienciar o pênis.

Naquela época e agora, mulheres falam sobre como as palavras usadas para descrever a genitália feminina são muito mais variadas e interessantes do que aquelas usadas para descrever os genitais masculinos. Lendo muita literatura erótica, tanto gay como heterossexual, fiquei decepcionada ao descobrir que ao final das contas, o pênis é ainda representado como uma arma, como um instrumento de indelicada e dolorosa penetração. Pensado em termos de força, seja em descrições de sexo consensual prazeroso ou sexo forçado e bondage (servidão/dominação), nenhum deles parece ter muito a dizer sobre o pênis que questiona e transforma a representação sexista. Identificar o pênis sempre e unicamente com força, como sendo um instrumento de poder, uma arma primeiro e acima de tudo, é participar no reverenciamento e perpetuação do patriarcado. É a celebração da dominação masculina.

Sem dúvida então que enquanto o feminismo progrediu, mas muitas mulheres anti-sexistas sentem que não há formas de engajar o pênis que não reforcem a dominação masculina. Enquanto muitas feministas num ato político escolheram o lesbianismo ou o celibato como uma forma de resistir a subordinação sexual sexista e, conseguintemente, não tem interesse no pênis, aquelas de nós que apreciam a paixão pelo pênis frequentemente nos encontramos silenciadas pela suposição que a mera nomeação de nosso prazer é traiçoeiro e apoia a tirania do patriarcado. Isto é simplesmente um erro lógico. Submeter-se ao silêncio nos torna cúmplices. Nomear como nos comprometemos sexualmente com corpos masculinos, e mais particularmente o pênis, em formas que afirmem a igualdade de gênero e posterior liberação feminista de homens e mulheres é um ato essencial de liberdade sexual.

Quando mulheres e homens podem celebrar a beleza e poder do falo em formas que não apoiem a dominação masculina, nossas vidas eróticas são melhoradas. Em um ensaio publicado na antologia Transforming a Rape Culture, escrevi como tive que mudar meu pensamento sexista a respeito do pênis – deixando de lado a fetichização erótica do pinto rígido penetrador, para abraçar uma erotização do pênis que era mais holística. Minha paixão pelo pênis se intensificou quando parei de pensá-lo somente em relação a performance, a penetração. Apreciei aprender como ser sexualmente despertada pela visão de um pênis não ereto.

Dando continuidade a tradição das primeiras feministas contemporâneas que eram defensoras da liberdade sexual, acredito que ainda precisamos ver mais imagens do pênis na vida cotidiana. Em um contexto de prazer sexual mútuo enraizado na igualdade de desejo, há espaço para uma política da sexualidade que é variada, que possa incluir pintos eretos/duros, rough sex e penetração como demonstração de poder e submissão, porque estes atos não são intencionados a reforçar a dominação masculina. Mas sem este contexto sexual progressista nós acabamos sempre criando um mundo onde o pênis é sinônimo de negatividade e ameaça.

O presente risco à vida das doenças sexualmente transmissíveis tem sido usado por conservadores sexuais para reforçar sentimentos anti-pênis. Muitas mulheres voltaram a um temor do pênis que é praticamente vitoriano. A despeito da revolução sexual e da prevalência do pensamento feminista, não foi necessário muito tempo para que convenções sociais sexistas triunfassem sobre as novas maneiras de refletir sobre sexualidade introduzidas pelo feminismo e movimento gay. A visão do falo, sempre e unicamente, como um instrumento de força é conservadora e falha. Mas ela ainda reina suprema. Sinto-me desanimada quando leio literatura erótica lésbica onde todos os falos simbolicamente usados no jogo sexual são descritos usando um vernáculo sexista, reforçando a noção do falo, seja ele real ou simbólico, como uma arma. Claramente, nós devemos continuar o trabalho de criar uma fronteira sexual libertária, lugares onde o pênis seja apreciado e estimado.

Mudar a forma como falamos sobre o pênis é uma poderosa intervenção que pode questionar o pensamento patriarcal. Muitos homens sexistas temem que seus corpos percam significado se nós avaliarmos o pênis mais pela sacralidade da sua existência do que pela sua capacidade performática. Depois de uma refeição romântica com um homem que capturou meu interesse sexual, enquanto estávamos sentados na minha sala de estar ouvindo música, pedi a ele que me mostrasse seu pênis. Ele respondeu em alarme. Encontrávamos completamente vestidos. Não estávamos engajados em preliminares sexuais, mas o clima era erótico. Ele pareceu alarmado ao pensamento do seu pênis sendo observado fora de um contexto de performance e quis saber porque eu queria vê-lo. Respondi que queria vê-lo para saber se iria gostar dele. Ele perguntou: “Você vai saber se vai gostar olhando pra ele?” Respondi: “Eu vou saber olhando.”

Compartilhei essa história com amigo/as, e todas às vezes homens e mulheres respondiam o tanto quanto duramente eu tinha ameaçado a sua masculinidade. Creio que a noção de ameaça surgiu simplesmente porque eu estava reivindicando a primazia do olhar feminino, uma agência sexual feminina não informada por condicionantes sexistas que separaram prazer, no corpo masculino, da performance do pênis.

Retornando para a bem-aventurada noção de sacralidade do corpo, de prazer sexual, nós reconhecemos o pênis como um símbolo positivo da vida. Seja ele ereto ou não, o pênis pode ser sempre uma maravilha, uma vontade, uma varinha mágica. Ou ele pode ser associado a uma a uma lagarta, como Emily Dickinson ternamente afirma: “Tão suave uma lagarta caminha - / Encontro uma sobre minha mão / Que mundo de veludo”.

Essa tradução foi de meu amigo Kibe. Eu reproduzi aqui porque uma amiga me passou e eu acho que quanto mais a gente divulgar, melhor. O texto em inglês tá aqui.