Você que me lê, me ajuda a nascer.

sábado, janeiro 30, 2010

Blues.

Jack White diz que não queria que as pessoas pensassem que era um branquelo tocando numa banda de blues. Assim como para ele, deve ser difícil para a maioria das pessoas admitir a grande importância dos negros na música. Especialmente para os brancos. Ou branquelos, como ele. Por que seria como ter que se render à essa coisa toda da negritude, e de que tudo que fizemos é realmente muito bom. Lembro de que uma vez li que em tudo aquilo que em dado momento a nós foi "permitido" fazer, por conta do racismo e escravização, nos tornamos os melhores, as melhores. E um pouco também naquelas coisas em que não poderíamos nem passar perto. Sou suspeita para falar? Talvez, mas nem por isso não tenha bom gosto. Por que ele gosta de Son House, e disse no filme A Todo Volume que se tomarmos um trem expresso para o passado do rock, chegaremos ao blues. Ele sabe de tudo. Morou em Detroit, e, segundo ele, uma das poucas famílias brancas a permanecerem lá na década de 80. As famílias negras não tiveram muita escolha. E hoje tem o White Stripes. E mais tanta coisa. E é por que teve o blues lá atrás, que chegou onde pôde chegar com tanta coisa a fazer durante todo o dia, como trabalhar nos campos de algodão e coisas do tipo. Mas é isso que todo mundo que faz música sabe. O mais incrível é que pouca gente diz. São os negros, são as negras. Que fazem de uma música com palmas e voz a coisa mais roquenrou do mundo, como disse o próprio Jack. Pode parecer uma coisa de quem quer afirmar superioridade - tem gente que chama toscamente de racismo ao contrário. Pensem o que quiserem. Tirem suas conclusões. Eu na verdade, só estou falando de criação, sofrimento e música.

Se oriente, rapaz.

determine, rapaz, onde vai ser seu curso de pós-graduação Essa música não me sai da cabeça. Gil, Gilberto. Meu filho vai ouvir isso ainda na barriga.

"Preguiça" Baiana.

'Preguiça baiana' é faceta do racismo. A famosa 'malemolência' ou preguiça baiana, na verdade, não passa de racismo, segundo concluiu uma tese de doutorado defendida na USP. A pesquisa que resultou nessa tese durou quatro anos. A tese, defendida no início de setembro pela professora de antropologia Elisete Zanlorenzi, da PUC-Campinas, sustenta que o baiano é muitas vezes mais eficiente que o trabalhador das outras regiões do Brasil e contesta a visão de que o morador da Bahia vive em clima de 'festa eterna'. Pelo contrário, é justamente no período de festas que o baiano mais trabalha. Como 51% da mão-de-obra da população atua no mercado informal, as festas são uma oportunidade de trabalho. 'Quem se diverte é o turista', diz a antropóloga. O objetivo da tese foi descobrir como a imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou. Elisete concluiu, após quatro anos de pesquisas históricas, que a imagem da preguiça derivou do discurso discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população da Bahia. O estudo mostra que a elevada porcentagem de negros e mestiços não é uma coincidência. A atribuição da preguiça aos baianos tem um teor racista.. A imagem de povo preguiçoso se enraizou no próprio Estado, por meio da elite portuguesa, que considerava os escravos indolentes e preguiçosos, devido às suas expressões faciais de desgosto e a lentidão na execução do serviço (como trabalhar bem-humorado em regime de escravidão???). Depois, se espalhou de forma acentuada no Sul e Sudeste a partir das migrações da década de 40. Todos os que chegavam do Nordeste viraram baianos. Chamá-los de preguiçosos foi a forma de defesa encontrada para denegrir a imagem dos trabalhadores nordestinos (muito mais paraibanos do que propriamente baianos), taxando-os como desqualificados, estabelecendo fronteiras simbólicas entre dois mundos como forma de 'proteção' dos seus empregos. Elisete afirma que os próprios artistas da Bahia, como Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Gilberto Gil, têm responsabilidade na popularização da imagem. 'Eles desenvolveram esse discurso para marcar um diferencial nas cidades industrializadas e urbanas. A preguiça, aí, aparece como uma especiaria que a Bahia oferece para o Brasil', diz Elisete. Até Caetano se contradiz quando vende uma imagem e diz: 'A fama não corresponde à realidade. Eu trabalho muito e vejo pessoas trabalhando na Bahia como em qualquer lugar do mundo'. Segundo a tese, a preguiça foi apropriada por outro segmento: a indústria do turismo, que incorporou a imagem para vender uma idéia de lazer permanente 'Só que Salvador é uma das principais capitais industriais do país, com um ritmo tão urbano quanto o das demais cidades.' O maior pólo petroquímico do país está na Bahia, assim como o maior pólo industrial do norte e nordeste, crescendo de forma tão acelerada que, em cerca de 10 anos será o maior pólo industrial na América latina. Para tirar as conclusões acerca da origem do termo 'preguiça baiana', a antropóloga pesquisou em jornais de 1949 até 1985 e estudou o comportamento dos trabalhadores em empresas. O estudo comprovou que o calendário das festas não interfere no comparecimento ao trabalho. O feriado de carnaval na Bahia coincide com o do resto do país. Os recessos de final de ano também. A única diferença é no São João (dia 24/06), que é feriado em todo o norte e nordeste (e não só na Bahia). Em fevereiro (Carnaval) uma empresa, cuja sede encontra-se no Pólo Petroquímico da Bahia, teve mais faltas na filial de São Paulo que na matriz baiana (sendo que o n° de funcionários na matriz é 50% maior do que na filial citada). Outro exemplo: a Xerox do Nordeste, que fica na Bahia, ganhou os dois prêmios de qualidade no trabalho dados pela Câmara Americana de Comércio (e foi a única do Brasil). Pesquisas demonstram que é no Rio de Janeiro que existem mais dos chamados 'desocupados' (pessoas em faixa etária superior a 21 anos que transitam por shoppings, praias, ambientes de lazer e principalmente bares de bairros durante os dias da semana entre 9 e 18h), considerando levantamento feito em todos os estados brasileiros. A Bahia aparece em 13° lugar. Acredita-se hoje (e ainda por mais uns 5 a 7 anos) que a Bahia é o melhor lugar para investimento industrial e turístico da América Latina, devido a fatores como incentivos fiscais, recursos naturais e campo para o mercado ainda não saturado. O investimento industrial e turístico tem atraído muitos recursos para o estado e inflando a economia, sobretudo de Salvador, o que tem feito inflar também o mercado financeiro (bancos, financeiras e empresas prestadoras de serviços como escritórios de advocacia, empresas de auditoria, administradoras e lojas do terceiro setor). Do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

... lamento.

... eu quase que não consigo
ficar na cidade sem viver contrariado
Nem fui eu quem disse isso aí não. Mas achei bom. Lamento Sertanejo, de Dominguinhos e Gil. E é quando você conhece alguém, lê uma poesia, vê um filme ou escuta uma coisa que muda tua vida que você pega força para continuar aqui nessa terra. Na terra debaixo do céu. Aí você fica com essa alegria e acredita que tem gente boa de bom coração, que passa duas horas falando e você fica ouvindo sem achar esnobe de metida e isso é coisa boa, por que seu coração se sentiu bem ali parado, só ouvindo coisa que não tinha vontade de ser mais nada além de conversa de duas pessoas que querem continuar vivendo, que morrem e ressuscitam todos os dias, dentro de trem, no meio do engarrafamento, com chuva e atraso.
Todo ano São Paulo é outra cidade para mim. Agora tem mais o centro, eu passo ali mais vezes e lembro de um tempo que nem faz tempo quando aquela fachada de cinema parecia distante e quando ela só existia no sábado-domingo-feriado, agora eu a vejo quando passo de ônibus e é só uma fachada, antes era um parque de diversões e distante a roda gigante, gigante. A cidade mudou, e eu mudei também.

domingo, janeiro 24, 2010

Marinheira só.

Eu não sou daqui. Mas isso todo mundo já sabe.
São três e vinte da matina e eu esqueci o que ia escrever. Era alguma coisa sobre mim. Mas acho que não quero mais falar quem sou. Tempos atrás eu era jovem e fazia essas loucuras.
A chuva não para. O mundo chora suas dores. E eu, eu queria só sorrir os sorrisos que eu guardei para ela, falar eu te amo, pegar na mão, não ter vergonha.
Minha mãe.

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Água.

Diego Navarro escreve, eu recebo em minha caixa de emails

Como prometido, um breve relato da situação aqui no Grajaú, ou mais precisamente no bairro Jardim Lucélia.

No ano passado a Prefeitura desalojou dezenas de famílias que viviam numa área de córrego aberto com a intenção de canalizar a área. A desalojação foi absurda, as famílias tiveram apenas uma semana para aceitar os 5 mil reais oferecidos e saírem do local. Algumas manifestações foram feitam, mas no fim das contas nada pôde ser feito.

As obras começaram ainda no ano passado, e para surpresa dos moradores dos arredores, as casas que até então nunca tinham tido problemas de alagamento foram invadidas pelas águas das chuvas.

O ápice aconteceu há dois dias atrás quando a forte chuva que assolou nossa cidade invadiu boa parte das casas e acabou com o patrimônio de várias famílias.Os moradores contactaram os bombeiros, que devido a sobrecarga de trabalho não apareceram. Dentro de poucas horas os moradores revoltados se reuniram na avenida que corta o bairro (Av. Dna. Belmira Marin) e iniciaram um protesto.

Logo a polícia chegou.

A repressão foi desproporcional, e o único motivo que impediu o CHOQUE de estar no local, foi que simultaneamente uma outra população carente protestava na Avenida do Rio Bonito, também por conta dos estragos da chuva e descaso do poder público.

No dia seguinte, logo pela manhã, os moradores do Jardim Lucélia se organizaram mais uma vez, e conseguiram dois ônibus (através da empresa Viação Cidade Dutra que também fica no Grajaú) para os levarem até a subprefeitura da Capela do Socorro.

Na subprefeitura conseguiram o compromisso que até aquela tarde um trator iria até o Jardim Lucélia retirar o excesso de barro, além de caminhões contendo comida e colchões para aqueles que precisavam.

A tarde passou, e no início da noite nenhum sinal da ajuda.

A população revoltada ocupou a avenida, trazendo também todos os móveis destruídos pelo alagamento. Por um bom tempo a manifestação transcorria bem, quando um grupo mais exaltado de moradores exigiu que o motorista e passageiros de um ônibus no local se retirassem para que fosse ateado fogo no ônibus.

Esse ato de revolta, realizado por uma minoria dos manifestantes, e totalmente compreensível dado o absurdo da situação, foi o estopim para que a região fosse infestada de policiais fortemente armados e sem suas identificações, assim como para que a impressa televisiva classificasse a manifestação como uma ação de vândalos arruaceiros. A subprefeitura, numa nota mentirosa, disse que havia enviado recursos de ajuda e que os moradores haviam impedido a entrada dessa ajuda no local.

Até hoje pela manhã um helicóptero da policia militar fazia rondas pelo céu de nossa região. A prefeitura ainda não comentou o assunto oficialmente e o clima fica cada vez mais tenso.

A população envolvida no caso é carente, e apesar de possuir uma associação de bairro, ainda enfrenta dificuldades de se organizar ante o ocorrido.

Moro há 15 minutos do Jardim Lucélia (morei durante 03 anos por ali), por isso não estou diretamente envolvido em todo ocorrido, nesse momento penso em alguma maneira de desfazer o imenso emaranhado de mentiras elaborado por prefeitura e mídia, e que engana até a população dos bairros vizinhos.

Detalhe Irônico, deixado propositalmente para o final:

Uma das reivindicações dos moradores do Jardim Lucélia é que a SABESP restabeleça o fornecimento de água para região, para que possam limpar suas casas. Explico, a tubulação de toda região do Grajaú está sendo trocado e portanto estamos há 3 dias sem água. Sim, FALTA ÁGUA.

Garçonete de avião.

Sabe o que é uma aeromoça?
Garçonete de avião. Eu nunca entendi por que tanta gente que acha chique ser aeromoça. Como se trabalhar viajando de avião, aquela coisa de pane e balanço e pouso forçado e falta disso e daquilo fosse uma sensação.
Para mim é um trabalho insalubre e perigosíssímo. Como motorista de lotação. Nada de chique nisso.
Bobagem.
Sai da frente que hoje eu tou disparada.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Única.

Pequenas coisas deixam a gente feliz.
Tirar uma foto sem querer rindo da vida.
E quando essa foto é a única das férias inteirinha.

Dona dos pezinhos.

A gente sente vontade de continuar a vida toda só pra ver mais sorrisos assim abundarem. Incertos como são também os passinhos, mas luz e esperança.

Somos feias, mas estamos aqui.

por Edwidge Danticat
Uma das primeiras pessoas assassinadas em nosso país foi uma rainha. Seu nome era Anacaona e ela era uma índia Arawak. Ela era poeta, dançarina e pintora, também. Ela governava a parte oeste de uma ilha tão exuberante e verde que os Arawaks a chamavam de Ayiti, terra de grandeza. Quando os espanhóis chegaram pelo mar à procura de ouro, Anacaona foi uma de suas primeiras vítimas. Ela foi estuprada e morta e sua aldeia foi saqueada. A terra de Anacaona é agora frequentemente chamada de o país mais pobre do hemisfério ocidental, um lugar de contínua conturbação política. Assim sendo, para alguns, é fácil esquecer que esta nação foi a primeira república negra, terra dos primeiros afrodescendentes a extirparem a escravidão e a criarem uma nação independente, em 1804.
Eu nasci no Haiti durante o regime ditatorial de Duvalier. Quando eu tinha quatro anos, meus pais deixaram o Haiti à procura de uma vida melhor nos Estados Unidos. Eu tenho que admitir que a motivação deles era mais econômica que política, mas como sabem todos que conhecem o Haiti, economia e política estão intrinsecamente relacionadas; em geral, quem está no poder é quem determina se as pessoas terão ou não o que comer.
Eu hoje tenho trinta e quatro anos e já vou vindo mais de dois terços da minha existência nos Estados Unidos. Minhas memórias mais vivas da infância no Haiti envolvem apagões repentinos, os "blakawouts", como dizíamos. Durante os blecautes, eu não tinha como ler, estudar, ou assistir televisão, então eu me sentava perto de uma vela ou de uma lamparina e ouvia histórias contadas pelos mais velhos da casa.
Minha avó era uma senhora da roça que sempre se sentiu deslocada na capital, onde vivíamos. Ela não possuía nada além de suas colchas de retalhos e suas histórias para se consolar. Foi ela quem me contou sobre Anacaona. Eu dividia um quarto com ela, e eu estava no quarto com ela quando ela faleceu. Ela tinha mais de cem anos. Ela morreu com os olhos arregalados; fui eu quem os fechou. Ainda tenho saudades das incontáveis histórias que ela nos contava. Entretanto, não foi difícil aceitar sua morte, porque a morte estava sempre por perto.
Quando menina, eu vivia indo a funerais. Meu tio e tutor era pastor da igreja Batista e esperava-se que sua família fosse a todos os funerais que ele presidisse. Eu fui a todos os funerais com o mesmo vestido de laço branco. Acho que é por ter ido a tantos funerais que eu tenho um forte sentimento de que a morte não é o fim, e que as pessoas que colocamos debaixo da terra estão indo embora viver em algum outro lugar. Mas ao mesmo tempo eu acredito que elas estarão sempre por perto nos protegendo e nos guiando em nossa jornada.
Quando eu tinha oito anos, o cunhado do meu tio passou uma longa temporada trabalhando nos canaviais da República Dominicana. Ele voltou mortalmente adoentado. Lembro-me de sua esposa girando penas por dentro de suas narinas e esfregando pimenta do reino na parte superior de seus lábios para fazê-lo espirrar. Ela acreditava piamente que se ele espirrasse, ele sobreviveria. À noite, eu era eu a encarregada de observar o céu acima da casa em busca de vestígios de estrelas cadentes. Diz a sabedora haitiana rural que quando vemos uma estrela cadente é porque alguém vai morrer. Uma estrela caiu do céu e ele morreu.
Lembro-me de na infância ver Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier e sua esposa, Michèle, passarem de Mercedes-Benz atirando dinheiro pela janela para as crianças paupérrimas de nosso bairro. As crianças quase se matavam tentado pegar uma moeda ou ver Baby Doc e Michèle. Em um Natal, deu no rádio que a Primeira Dama distribuiria brinquedos de graça no palácio. Meus primos e eu fomos para o palácio e fomos quase esmagados na multidão de crianças que inundou os jardins do palácio.
Essas histórias e memórias reavivam umas questões que não me saem da cabeça. Qual é o meu lugar agora nisso tudo? Qual era o lugar de minha avó? Qual é o legado das filhas de Anacaona, das filhas do Haiti?
Ao assistir aos telejornais, é sempre difícil dizer se existem mulheres reais vivas e respirando em lugares detonadas por conflitos como o Haiti. Os telejornais da noite só nos fornecem notícias breves sobre golpes presidenciais, imigrantes rejeitados, e sabotagens em eleições. As histórias das mulheres nunca conseguem chegar às primeiras páginas. Mas elas existem, sim.
Ao longo dos anos, eu conheci mulheres que, quando os soldados chegavam em suas casas no Haiti, diziam aos filhos para ficarem deitados paralisados e se fazerem de mortos. Eu conheci uma mulher cuja irmã grávida foi baleada no estômago porque estava vestindo uma camiseta com uma "imagem antimilitar". Eu conheço uma mãe que foi presa e espancada por trabalhar com um grupo pró-democracia. O corpo dela é marcado pelas cicatrizes deixadas pelos cigarros enterrados pelos soldados em sua carne. À noite, essa mulher ainda sente o cheiro das cinzas das guimbas de cigarros que eram enfiadas, acesas, em suas narinas. Na mesma cela, essa mulher viu adidos paramilitares estuprarem sua filha de quatorze anos sob a mira de uma arma. Quando mãe e filha entraram em uma pequena embarcação rumo aos Estados Unidos, a mãe nem desconfiava que a filha estava grávida. Muito menos sabia que sua criança tinha sido infectada pelo vírus HIV contraído de um dos paramilitares que a estupraram. O fruto desse estupro, sua neta, recebeu o nome de Anacaona, como a rainha Arawak, porque essa família de mulheres é de Léogane, a mesma região em que Anacaona foi assassinada, a mesma região em que minha avó nasceu.
A pequena Anacaona possui um rosto que não traz mais qualquer traço de sangue indígena, mas sua história ecoa alguns dos primeiros sanguinários incidentes em uma terra que os tem assistido excessivamente.
Tem um ditado haitiano que talvez não agrade à sensibilidade estética de algumas mulheres. /Nou lèd, nou la/, que quer dizer /Somos feias, mas estamos aqui/. Assim como a modéstia característica da cultura rural haitiana, esse ditado é mais caro às mulheres pobres haitianas do que a manutenção da beleza, seja ela superficial ou não. Para mulheres como minha avó, o que vale à pena ser celebrado é o fato de que estamos aqui, que apesar de todas as adversidades, nós existimos. Para mulheres como minha avó, que cumprimentavam umas às outras com este ditado quando se cruzavam ao longo de um caminho de terra lá na roça, a essência da vida está na sobrevivência. É sempre bom lembrar às nossas irmãs que sobrevivemos a mais um dia para atender ao chamado de uma vida muitas vezes dolorosa e muito difícil. É neste espírito que até hoje uma mulher lembra-se de dar à sua filha o nome de Anacaona, um nome que ressoa tanto o esplendor quanto a agonia de um passado que assombra a tantas mulheres, e homens, hoje.
Quando foram escravizadas, nossas antepassadas acreditavam que quando morressem seus espíritos retornariam à África. Mais especificamente, retornariam para uma terra pacífica, a qual chamamos de Ginen, habitada por deuses e deusas. As mulheres que vieram antes de mim eram mulheres que falavam metade de uma língua e metade de outra. Elas falavam o francês e o espanhol de seus colonizadores misturados às suas próprias línguas africanas. Essas mulheres pareciam estar falando em línguas estranhas quando rezavam para seus velhos deuses, os antigos espíritos africanos. Apesar de temerem não serem mais entendidas por suas antigas divindades, elas inventaram uma nova língua para descrever o local que passaram a habitar, uma língua da qual brotaram frases coloridas para atender a circunstâncias desesperadoras. Quando essas mulheres se cumprimentavam, elas se descobriam falando em códigos.
- Como vai você hoje, irmã?
- Eu sou feia, mas eu estou aqui.
Hoje em dia, muitas das minhas irmãs se cumprimentam bem distante das terras onde aprenderam a falar em línguas estranhas. Muitas conseguiram chegar a outras partes, depois de viajarem milhas sem fim em alto mar, em precárias embarcações que quase lhes tiraram a vida. Em 29 de outubro de 2002, uma mulher, debilitada pela longa jornada no oceano, ao avistar terra firme teria se atirado na maré baixa. Outras pessoas a seguiram, inclusive meninas e meninos pequenos que preferiram correr o risco de quebrarem um braço ou uma perna a se separarem de seus pais. Estes são apenas alguns dos milhares que chegam às costas estadunidenses ao longo do ano, apenas para serem cercados, algemados, levados presos, e quase sempre devolvidos para o lugar de onde vieram. Há onze anos atrás uma mulher pulou no mar quando descobriu que sua bebezinha tinha morrido em seus braços em uma jornada que ela tinha esperanças que as levasse de encontro a um futuro melhor. Mãe e filha, foram para o fundo de um oceano que já contém milhões de almas da /middle passage/, o holocausto do comércio de escravos. O sacrifício da mulher levou muitos de nós às lágrimas, mesmo que o acontecido nos fizesse lembrar de um monte de sacrifícios outros, feitos no passado, em nome de todos nós, para que pudéssemos estar aqui.
O passado está repleto de exemplos de nossas antepassadas mostrando tão profunda confiança no mar a ponto de saltarem de navios negreiros e se deixarem acolher pelas ondas. Elas acreditavam ser o mar o princípio e o fim de todas as coisas, o caminho para a liberdade e a passagem para o Ginen. Essas mulheres, mulheres como minha avó que me ensinou a história de Anacaona, a rainha, têm sido parte da construção do meu próprio ser desde que eu era uma menininha.
Minha avó acreditava que se uma vida é perdida, uma outra vida brota em algum outro lugar, sendo essa nova vida ainda mais forte que a outra. Ela acreditava que uma pessoa não morre, realmente, desde que alguém se lembre dela, alguém que reconheça que esta pessoa, apesar de tudo, estava aqui. Nós somos parte de um círculo sem fim, somo as filhas de Anacaona. Nós envergamos mas não quebramos. Não somos atraentes, mas ainda assim resistimos. De vez em quando devemos gritar isso o mais distante que o vento puder levar nossas vozes. /Nou lèd, nou la!/ Somos feias, mas estamos aqui.
E aqui para ficar.
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Título original: “We Are Ugly, But We Are Here”, texto extraído da coletânea Women Writing Resistance: Essays on Latin America and the Caribbean (Cambridge, MA: South End Press, 2003, 23-27) editada por Jennifer Browdy de Hernandez, com prefácio de Elizabeth Martinez. Tradução de Kátia Costa Santos (krsantos@gmail. com ), 15/1/10.

domingo, janeiro 17, 2010

Sem título.

A questão parece ser: somos o que dizemos ser? O que escrevemos?

Somos o que pensamos ser ou o que pensaram sobre nós?

Fico pensando, pensando... por que eu realmente não sei se é só isso ou tem algo mais.

Acho que depois que entendi que o que importa é o método, o meio, e não a mensagem, as coisas ficaram mais simples.

Mas, ainda assim, não sei quem sou. E isso agonia de vez em quando.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Pezinhos.

Dá vontade de saber quem é?
É menina bonita. Não canso de olhar a foto. Penso no rosto dela, no passinho incerto - correto? - hesitação, o mundo todo ainda me espera e eu aqui posando - ou não? - pra foto, olhando pro chão, o céu, o chão, os pezinhos.

Precious, o filme.

Tem Precious na internet. Mas se puder, esperem até dia 29.01.2010, dia da estreia.
Assistam.

Tana.

Nas férias eu escrevo mais e melhor ou escrevo mais - e por conseguinte melhor?
Assistam Un novio para mi mujer. Muito bom. Quero ter o direito de exercer meu momento Tana quando quiser. Sem perder namorado e amigos, amigas.
A gente segue sempre descobrindo. Eu que sou muito metódica dentro da minha cabeça. Que quero que as coisas saiam como eu planejei, se os percursos mudam eu me embaralho toda, aí agrego a nova coisa bem rápido mas fico com saudade do meu planejamento e pensando que eu não deveria ser tão flexível, por que é nessa flexibilidade que a gente erra a mão, se perde, se esquece, não sabe mais quem se é, tenho medo de não me reconhecer nas coisas que fiz, acho que por isso, quero que saia como planejei.
Algumas coisas mudaram com a vida que passou, eu agora não quero mais um milhão de amigos, mas eu quero ainda fazer tudo direitinho, ser honesta, justa, pagar as contas, não me meter em brigas, acreditar, acreditar.
Descobri também que talvez eu melhore meu pessimismo se assistir mais televisão. Vou ficar mais desesperançada e infeliz, mas mais esperta e vou saber para onde correr na hora da confusão.

Encontros.

Crianças, bichos e plantas. Se você não se enquadra nesses termos, nem me procure.
Dia 03 de fevereiro, vou abrir agenda para atender humanos.
Mande recado.

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Terreiro de Mãe Stella sofre assalto em São Gonçalo do Retiro.



Publicada em 06/01/2010

Crédito: Correio*































Desrespeito à religião e ao ser humano. É assim que os moradores e frequentadores do espaço onde funciona o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, de Mãe Stella, interpretam a série de assaltos que vem sendo realizada no local. Em uma semana, bandidos invadiram o local, no São Gonçalo do Retiro, pelo menos três vezes.
Na manhã da última segunda- feira teve até tiroteio: moradores contam que, em perseguição a um bandido que usou o terreno como rota de fuga, policiais abriram fogo dentro terreiro, assustando quem estava por perto.
A polícia afirma que diversas quadrilhas de traficantes agem no local. A ousadia dos criminosos é tanta que a administração do terreiro está construindo um muro para isolar o espaço dedicado ao candomblé da invasão da Baixinha do Santo Antônio. Os bandidos, irritados com a obra, já avisaram: vão derrubar a construção.
“Eles já mandaram recado dizendo que vão fazer buracos no muro ou derrubar. Isso porque vai fechar o acesso deles a um campo de futebol usado por eles no fim do terreno. Lá, eles embalam droga, jogam bola, consomem o material entorpecente ou se escondem, quando a polícia está por perto”, conta um funcionário do terreiro que, com medo, pede para não ser identificado.

Arrombamentos
As marcas da violência estão por toda parte. As casas de pelo menos seis orixás já foram arrombadas e tiveram os nomes das entidades, feitos em cobre, arrancados da fachada. “Não tem mais nome nas casas de Oxum, Oxalá, Yemanjá, Ogum, Omolu e Xangô”, completa o funcionário.

De acordo com a Ebami (filho de santo mais velho em obrigações) Helena Silva de Menezes, filha de mãe Stella, morar ali ficou perigoso. “Posso listar para quem quiser quantas invasões já aconteceram aqui. Outro dia, chegando em casa com meu neto de 15 anos, um bandido estava na minha porta, com três armas. Queria vendê-las para meu neto por R$50 cada”, lembra, indignada.
Segundo ela, há uma semana o terreno é invadido quase diariamente. No dia 29, bandidos invadiram o quarto de Yemanjá. No dia 2, foi a vez de o quarto de Oxum ser revirado. Bandidos entraram pela janela e levaram R$5 que estavam como oferenda ao orixá. “Vou repetir o que diz minha mãe: é puro vandalismo. Esses garotos querem dinheiro para comprar droga”, avalia Helena.
“Eles já mandaram recado dizendo que vão fazer buracos no muro ou derrubar. Isso porque vai fechar o acesso deles a um campo de futebol usado por eles no fim do terreno. Lá, eles embalam droga, jogam bola, consomem o material entorpecente ou se escondem, quando a polícia está por perto”, conta um funcionário do terreiro que, com medo, pede para não ser identificado.
Suspeito
No domingo, outra história engrossou a violência no terreiro. O aposentado Fernando Costa, 60, morador de uma casa no terreno, foi a última vítima . De acordo com vizinhos, ele saiu de casa para comprar pão, foi até o portão do terreiro e percebeu que estava sem dinheiro. “ Quando voltou, a casa estava arrombada, a TV nova, de 14 polegadas, havia sumido e o salário dele inteiro, R$750, que eles escondia numa bíblia dentro do guarda- roupas também havia sumido”, contou o irmão de Fernando, Dario Costa.

Um dos seguranças do terreiro reconheceu o invasor do fim de semana. O caso foi registrado na 11ª DP (Tancredo Neves) e a polícia agora procura um homem, que é vizinho do terreno, identificado como Marquinhos. Os agentes investigam a relação dele com criminosos da invasão Baixinha de Santo Antônio.
Com relação ao crescimento da violência no local, o delegado titular Adaílton Ada disse que a polícia não pode fazer o papel de vigilante do terreno. “É uma propriedade particular. Não temos como tomar conta. Eles precisam contratar mais seguranças”, afirmou.
Bandidos roubam objetos sagrados e oferendas à orixás
De todos os ataques, dois são os considerados mais graves pela filha de Mãe Stella, a Ebami Helena de Menezes: o ataque à casa de Xangô e à casa de Oxalá. Na primeira, os criminosos invadiram durante um ritual, deixando a mãe de santo em pânico naquele momento. Dela, ele levou dinheiro, jóias e outros objetos de valor usados na decoração do quarto.

Já no espaço dedicado a Oxalá, os criminosos entraram após fazer um buraco na parede lateral da casa e também levaram, além de imagens e objetos sagrados, material de trabalho dos rituais, dinheiro de oferendas e jóias dos religiosos que cuidam do espaço. “Estamos perdidos, precisando de ajuda. Não se respeita nem mais a fé”, lamenta Helena, que deverá comparecer à 11ª delegacia ainda esta semana para prestar depoimento sobre os crimes.
Terreiro tem 100 anos de história
Localizado em São Gonçalo do Retiro, o Ilê Axé Opô Afonjá (em português, Casa da Força sustentada por Xangô) é um dos terreiros mais antigos do país, fundado em 1910 por um grupo dissidente do Terreiro da Casa Branca. Com espaços para celebrações religiosas e outros destinados à moradia, o terreiro é cercado por extensas áreas de vegetação fechada, que ocupam mais de 2/3 da área total de 40 mil metros quadrados.

No local, destacam- se o barracão principal, onde são realizadas as festas e a Casa de Xangô - orixá do terreiro, além da Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, em homenagem à fundadora do terreiro. Desde 1976, o Ilê Axé Opó Afonjá é comandado pela mãe de santo Stella de Oxóssi, hoje com 84 anos, notabilizada por combater o sincretismo religioso com a Igreja Católica
Histórico
Inauguração - Em 1910, por Eugênia Ana dos Santos, que hoje dá nome à escola municipal que funciona dentro do terreno do terreiro.

Sacerdotisas - Mãe Aninha (1910-1938), Mãe Bada de Oxalá (1939-1941), Mãe Senhora (1942-1967), Mãe Ondina de Oxalá (1969-1975), Mãe Stella de Oxóssi (1976 até hoje)

Tombamento - O terreiro Ilê Axé Opô Afonjá foi tombado como patrimônio histórico nacional pelo Iphan em julho de 2000.
publicado em Além da Notícia
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Pior do que ler isto aí, é ler o suposto jornal baiano (Correio da Bahia) fonte da informação dizendo que "os ladrões não tem mais medo dos orixás". Como se segurança pública e má distribuição de renda fosse culpa de outros seres e não os humanos.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Sabe?

Sabe como chama o sorvete de chocolate com pedaços de chocolate? Chocolate africano.

Sabe como chama saudade de uma pessoa só? É vontade.

Sabe o que eu tenho? Não é preguiça, é lassidão. E eu me entrego tanto...

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Do jeito que sua nega gosta.

Hoje não fiz nada o dia inteirinho que deus deu. Não fazer nada é ficar em casa, escrever cartas e textos, dormir, dormir, comer, conversar com mainha. Não ir à praia, enfim, nem cinema. Nem amigo chamando para ir ao Pelourinho. Isso incomoda um pouco, mas incomodava mais no começo das férias. Me sentia meio inútil. Mas a gente acostuma com o que é bom. Ficar sem fazer nada. É bom ter algo para fazer - eu queria ser escritora por que sonho que algum dia na vida eu poderia ficar só escrevendo na maciota, nada tipo mil livros por ano, miacoutamente falando - é bom não fazer nada para fazer o que quiser.

Mas quero ser diplomata.

Escritora.

Cantora.

Dançarina.

Professora de pilates (inspirada no filme As Leis de Família, de Daniel Hirzman).

Eu escrevi certa vez um conto quando estava aqui em Salvador. Perdi o rascunho. Era um texto sobre mangas e desejo. Manga è sempre bom para falar de desejo, vai saber. Mas eu morava em outra casa. Era outro calor e outro jeito de sentir o mundo. Aqui não sinto a mesma coisa. Se um dia encontrasse o rascunho... lembro vagamente da sensação quando escrevi o conto, um dia, se ela passar por perto, aprisiono o sentido e tento escrever coisa parecida. Là era tenso, aqui è mais calmo. Mas nem por isso menos desejo.

Fui eu quem parei para enxergar outras coisas. E o desejo mudou.

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Minha vó diz:

minha fia, como passou de ontem pra hoje?

Eu lembrei do Ano-Novo. As pessoas me perguntam como a gente passou a noite do ano-novo e eu digo

dormindo

Elas não gostam muito. Em qualquer outro dia do ano, seria comum.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

As plantas de Dona Lindú.

Uma cena no filme Lula, o filho do Brasil me fez chorar. Nada não. É a hora em que Dona Lindú recebe a notícia que seu filho Ziza foi preso. Ela está fora de casa, num pátio externo, lado esquerdo da casa. Ela chora, e na sua frente, muitas plantas. Fiquei pensando na doçura da cena, por que essa coisa de ter planta em casa parece coisa de antigamente. Muitas plantas eu digo, e não uma plantita aqui ou ali. Pensei como a cena foi montada, quem deu ideia das plantas, a feliz ideia, agora o filme vai, pensei eu, digo, emplacou, não ficou fake nem apelativo, é só ela chorando e as plantas, entendam o que quiserem, fui eu quem entendi assim. Talvez ninguém ligue para isso. Talvez apenas eu perguntasse isso numa entrevista coletiva com o diretor. Talvez nem ele soubesse responder.

Fiquei emocionada só por que lembrei de minha mãe – hoje ela voltou para casa serelepe por que encontrou uma muda de uma roseira na rua dando sopa, veio trazendo animada me contando como é que a planta vai crescer, onde vai por, detalhes. Fiquei lembrando da minha casa cheia de plantas. E como essa cena diz muito sobre Dona Lindú e Caetés. Em Pernambuco e Bahia, em pessoas que gostam de plantas e não, isso não é bobagem.

Quem cresce vendo planta e bicho crescer não consegue se desvencilhar disso fácil. Tenho por perto pessoas que são assim, que saem da roça e substituem o bode que criavam por algum animal doméstico – fiquei surpresa quando uma aluna minha de seis anos disse que tinha uma galinha que se chamava Brenda –, vão se arranjando com essas mudanças que a cidade grande traz, para não empedrar o coração, para não esquecer de vez como é a canção e a história com final feliz.

Eu cá no meu canto fico me perguntando quando e onde foi que a gente perdeu essas coisas todas. Esses costumes, conexões. Fico me perguntando também onde viveram quando crianças as pessoas que hoje acham tudo isso uma grande bobagem e não veem sentido na vida. Bom, não ver sentido na vida pode até ser compreensível para alguém que pensa assim.

Aproveitando o ensejo, vem aí O Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro.

terça-feira, janeiro 05, 2010

A-pegação.

Me apego, me apego. Números, cadeiras de cinema, copinhos de café. Presenticos, adesivos, pedacinhos de papel, letras. Sou uma romântica inveterada, embora não acredite no amor. Sou uma velha rabugenta também. Não me peçam para trocar o número do meu cartão de dois anos atrás – eu quero que seja o mesmo –, quando me roubaram a bolsa dentro de um restaurante eu fiquei triste por que minha carteirinha de natação mudou, minha identidade também, tinha foto de 10 anos atrás, tinha uma história, entende? Agora é desde 2009, e não tem graça nenhuma. Respiro fundo, eu que falo tanto em mudanças, me apego, me apego. Gosto dessas coisiquinhas por que talvez me lembrem mesmo com as mudanças todas de vida, de amor, de paixão e cidade, eu ainda continuo aqui, são minhas referências, mesmo café Bahia, mesma sandália de couro, nesse pedaço de papel sou eu e meu amigo de anos atrás, tenho medos de me dissolver.

Por que não, eu não sou forte. Ligo pra ele e minto coisas. Digo que estava meio alta. Mas resisto. Agora não faço mais isso não. Nem é porque mudamos de ano. É que digo para mim que criei vergonha na cara. Mas acho que criei mesmo. Num chora pelo que tu nunca teve, fia.

Escrever melhora. Conversar também. Mas tem gente que não gosta de conversar. Mainha gosta. Tem horas que eu não gosto. E aqui eu aprendo a conviver com essa diferença toda, dividir coisas e casa e quartos e computadores. Não é fácil. Mas é gostoso. É gostoso ter tentado e conseguir, outras vezes não conseguir. Esse balanço todo de tudo embala a vida. A gente quer ir dormir contente do serviço feito, mas nem sempre é possível. Aí tem o outro dia que tem mais coisas para se fazer. E você esquece da dor de ontem. Das decepções e das coisas que tinha para fazer. Tem coisa que era para fazer ontem. E ontem já foi... não dá vontade de fazer mais. Acontece.

Aliás, parece que a vida gira sempre nessa toada. Drummond até já disse isso. Vaievemviraporquetornaahistóriaésemprequaseamesma. Amor, ódio e uma pitadinha de inveja. Às vezes é só amizade. Acho que é a parte mais legal de tudo. Se você conseguir isso, bata palminhas e seja feliz.

Carne de sol.

domingo, janeiro 03, 2010

vintedez.

Não sou nacionalista. Matar e morrer pela pátria. Mas não gosto dessa classe mé(r)dia imbecil – perdoem-me a reiteração – que vive a falar mal do Brasil. Que aqui não presta, que as coisas não funcionam, essas coisas. Que nos EUA as coisas são assim, na França são assado... dá vontade de responder que eu gosto de cozido, principalmente o que mainha faz, mas fico na minha. As pessoas tem direito de falar o que pensam, eu mesma não falo aqui, não falo por aí quando me dá na telha?

Também não sou louca e digo vaiembora assim do nada. Mas as pessoas parecem que não sabem das coisas e não lembram que o Brasil teve a constituição de 1988 feita de um modo que nunca foi feita uma constituição no mundo, utilizando a tecnologia mais acessível da época – a tv’, como ainda é hoje – para divulgar o que estava acontecendo e como as pessoas podem participar.

E depois falam mal do Lula. Eu não tenho medo de falar que gosto dele, mesmo muita gente apontando os grandes erros que ele fez. Mas é comodíssimo – quis escrever comodíssimo mesmo, e não comodismo. Aliás, esse blog é revisado. Qualquer erro gramatical será sempre intencional –, a classe mé(r)dia adora aproveitar os bancos de universidade pública para virarem críticos de qualquer coisa, inclusive crítico do governo. Tem jornalista por aí que acha que isso é até mesmo um trabalho digno, de plantão nas escorregadas do Lula ou coisa parecida. Esqueceram-se que o presidente sociólogo com cátedra não-sei-aonde-e-não-me-interessa não abriu uma universidade pública em oito anos de mandato e ainda abriu as portas para que empresários como Ormetto (barão do café de Araras) dominasse o ramo educacional com essas unijoana, unipaula e unifernando – com o perdão a quem tem esses nomes – da vida. Se é preciso um presidente analfabeto para que a gente tenha universidades públicas abertas, filho de pobre chegando à universidade, espero que a/o próxima/o seja indígena e não tenha aprendido a escrever, quem sabe assim a gente recupera uma de nossas línguas-mãe, o tupi guarani, coisa que o Paraguai que é bem menor que o Brasil e teve metade de sua população masculina assassinada por nós conseguiu fazer com muita coragem e respeito às tradições, além de enfim, fazer a classe me(r)dia entender que sim, não se deve governar para os ricos, já que estes, quando a bomba estourar, tem jatinho para voar para Marte.

Ah, e não é chique falar que gosta do Lula também, sabe, em roda de amigos. É pobre, é out, é brega. É a burrice da classe mé(r)dia que quer contaminar o proletariado, empregadas domésticas que não entenderam ainda que elas são bem mais importantes que seus patrões e ficam repetindo as asneiras deles. Elas tem pena. Mas um dia, não terão mais. Ihaveadream, eu diria.

Filmes apelativos à parte – para o qual Lula vetou subsídios públicos, diga-se de passagem – eu gosto dele. E não tenho a mínima vergonha de dizer isso.

Engraçado, mas essa matéria aqui não foi capa de jornal...