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segunda-feira, novembro 26, 2012

Olhando no Espelho.


(Para meus netos Samora, Alan e Henrique Alberto)

Ao espelho te vejo negrinho
te reconheço garoto negro
vivemos a mesma infância
a melancolia partilhada do teu profundo olhar
era a senha e a contra-senha 
identificando nosso destino
confraria dos humilhados
a povoar de terna lembrança
esta minha evocação de Franca


Éramos um só olhar
nos papagaios empinados
ao sopro fresco do entardecer


Negrinho garota negra
vivemos a mesma infância
nos cafezais brincamos
nas jaboticabeiras trepamos
chupamos a mesma manga e melancia


Éramos uma única ansiedade
à subida multicor dos balões
pejados de nossos sonhos e ilusões
Negrinho meu irmão
como te chamavas tu?
Felisbino Sebastião Geraldo?
Serias menina: Rosa
Negra Alice Tarcila?
Ou te chamarias Aguinaldo?

Lembro nosso emprego:
lavar vidros 
entregar remédios
fazer limonada purgativa
limpar as sujeiras de uma farmácia

E aquele grito em nosso ouvido:
"-Acorda preguiçoso"? era o patrão
outra vez cochilaste reclinado ao chão
Assustados teus olhos dançaram
desgovernados pelas lágrimas
saltaste inutilmente lépido

Um dedo irrevogável
te apontou a porta do desemprego
assim regressaste 
à casa que já não tinhas
na noite anterior morrera
tua pobre mãe que a mantinha


Negrinha garoto negro
sei que somos uma
prosseguimos os mesmos
ao abandono de nossa orfandade

Assim juntos e sem nome
devemos continuar nosso sonho
nosso trabalho
reinventando as nossas letras
recompondo nossos nomes próprios
tecendo os laços firmes
nos quais ao riso alegre do novo dia
enforcaremos os usurpadores de nossa infância


Para a infância negra
construiremos um mundo diferente
nutrido ao axé de Exu
ao amor infinto de Oxum
à compaixão de Obatalá
à espada justiceira de Ogum

Nesse mundo não haverá 
trombadinhas
pivetes
pixotes
e capitães de areia

Buffalo, 1980

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