Engraçada a vida.
Eu, quando morava em Salvador (e em outras cidades da Bahia), quase nunca ouvia a chamada música baiana. Na verdade, não precisava. Ela estava em todos os lugares por onde eu passava, fazia parte de minha vida, mesmo que eu não apertasse o play.
Agora, morando em São Paulo há oito anos (nove, quase dez? Não, não!), quem bota Olodum para tocar sou eu. E Araketu, Banda Mel, Parangolé. Ouço tudo. Fico boba como lembro de cor letras como
Criaram-se vários reinados
O Ponto de Imerinas ficou consagrado
Rambozalama o vetor saudável
Ivato cidade sagrada
A rainha Ranavalona
Destaca-se na vida e na mocidade
Majestosa negra
Soberana da sociedade
Alienado pelos seus poderes
Rei Radama foi considerado
Um verdadeiro Meiji
Que levava seu reino a bailar
Bantos, indonésios, árabes
Se integram à cultura malgaxe
Raça varonil alastrando-se pelo Brasil
Sankara Vatolay
Faz deslumbrar toda nação
Merinas, povos, tradição
E os mazimbas que foram vencidos pela invenção
E outras como
... o nome desse orixá
Está gravado na história
Eu não posso mencionar
Gerado, foi criado
Está esculpido na mente
Muito além da minha consciência
Gerado, vou cantar no meu ifé
A palavra mais justa de um rei
No seu culto candomblé
Não é que eu não gostasse disso quando eu morava lá. É que era tão presente que... eu não precisava parar para escolher um cd' para ouvir. Saía na rua e isso estava tocando, assim como o samba duro em minha porta, o povo a rebolar. Não era um evento marcado com dias de antecedência pela internet. Aí eu ia pro palco do rock, eu gostava de coisas como Jethro Tull.
E gosto disso tudo, ouço de tudo um pouco. Mas minha memória afetiva está povoada dessas coisas cantadas na minha língua. E agora, ouço muito, me apego a tudo que me lembra infância.
É engraçado também algumas permanências. Tem uma música evangélica que eu lembro demais, todas as vezes que eu vejo um livro de Monteiro Lobato (sim, eu li tudo quando era adolescente. E tenho tudo, mesmo que hoje eu tenha uma outra visão sobre a obra do tal senhor):
quero lembrar, cristo ama você
apesar dos difíceis momentos
e de todas as situações
e hoje é tempo de olhar e ver
tudo novo de tornar
novo horizonte enxergar
Eu lembro dessa música porque, na época, ela tocava muito no rádio. E eu cantarolava. Eu abro o livro, começo a leitura de Reinações de Narizinho e essa música vem, como cheiro. E essas todas que escrevi e todas as outras, e mesmo aquelas que não são baianas mas foram cantadas por cantoras como Simone Moreno, Margareth Menezes, Alobened Airam e outras tantas.
Música tem dessas coisas. Cheiro, som, visão, corpo. Tudo junto. Misturado. É por isso que é tão gostoso.
E, logo hoje, comentando sobre música com as moças no trabalho. Sobre o que seria axé, funk e pagode. E em como a gente definitivamente não ouve nada disso no rádio. O que passa no rádio não é música. É alguma coisa que chamada "empreendimento comercial com algumas notas no meio". Claro que, entre trinta ECANM, a gente ouve uma música e outra. Nessa proporção.
Um comentário:
gostei desse post.
e é isso aí mesmo. a gente nem precisava ligar o rádio. da minha época tenho inúmeras gravadas na memória. lembro a letra certinha. dia desses escutava: faça o que quiser, mas eu não vou te esquecer! quero você! amoooooor!
pooooxa! nostalgia pura, preta!
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