Você que me lê, me ajuda a nascer.

sábado, abril 19, 2014

Esquecer e lembrar.

Semana passada, saí de casa com um turbante lindo, recebi elogios de amigos e passantes. Quando cheguei à faculdade, um doutorando virou-se para mim e cumprimentou-me, falando com uma amiga: 
E essa escrava?
Virei as costas para ele e disse: 
Não sou escrava, nasci livre, você é louco? 
Continuei o que estava fazendo. Ele saiu de fininho da sala e fez-se um silêncio. Talvez ele pensou que, por demonstrar não ter vergonha de ser preta, eu também não teria vergonha do passado. Talvez ele pensasse que usar turbante fazia parte de uma moda escrava. Sei lá. 
Das dores que o racismo provoca. Esse colega sempre foi muito gentil e carinhoso, é difícil ser ríspida com quem sempre te trata bem. Tenho certeza que ele não "fez por mal". Mas ainda assim, dói e é um desrespeito. E não entendo porque ele não poderia ter dito "que mulher linda!". 
Não tenho vergonha do passado. Sei que mulheres como eu foram escravizadas. Mas não fomos sempre assim e quando nos tornamos assim foi por algumas condições históricas (talvez eu deva falar "e esse colonizador?" se algum branco me chamar escrava). 
Não uso "moda escrava" (se é que isso existe na cabeça de alguém). Uso pano na cabeça porque minha vó fazia isso. Se tem alguma coisa a ver com outros antepassados além dela e além-mar, significa que sim, eu tenho uma história. História esta que, definitivamente, não começou na época da escravização.


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