Não sei se todo mundo sabe do meu projeto de ler mais autoras negras, mas às vezes eu leio coisas que me indicam. Dessa vez foi o livro Nação Crioula, um amigo falou bem e me emprestou, li muito rápido as cem primeiras páginas e depois comecei a ler outras coisas, mas terminei hoje.
O livro foi escrito por José Eduardo Agualusa, autor branco angolano que já ganhou prêmio por outro livro que virou filme (procure saber aqui). São cartas endereçadas a várias pessoas, a maioria delas por um português de nome Fradique Mendes, um homem que viveu entre Angola, Brasil, Portugal e Paris. O que me fez ler o livro foram as passagens que falam da cidade que eu vivo, São Francisco do Conde, recôncavo baiano.
O livro pouco a pouco se transforma num romance histórico e é recheado de nomes importantes para nós a história negra brasileira, tais como Luís Gama, José do Patrocínio e outras figuras menos conhecidas mas também ali representadas por escravizados que lutaram nas revoltas brasileiras, aquelas como a dos Malês. Dá vontade de ler de novo e dá para começar a estudar muita coisa que nem está na escola a partir desse livro. Indiquei para colegas de trabalho da Letras.
Curiosamente, gosto mais da carta final, em que Ana Olímpia, mulher negra de grande importância em Angola - mas que também foi escravizada, por não ter posse de sua alforria quando morre seu marido - relata passagens de sua vida e de Fradique. Fiquei pensando ali que a vida de Ana daria um bom livro ou, quem sabe, um filme. Eu mesma adoraria fazer parte dessa arte.
Há coisas que aprendi com Ana que não esquecerei:
[... ] Se fosse hoje, ter-lhe-ia respondido com um provérbio crioulo da Serra Leoa, país que visitei recentemente: stone we dei botam wata, no say wen rain de cam, ou seja, uma pedra debaixo da água não sabe que está a chover (p. 152).
A definição de Ana para a maldade do mundo também me intriga.
Imagino às vezes a maldade como sendo um animal. Um amigo meu, austríaco, que passou muitos meses em Angola, estudando a fauna e a flora exótica dos sertões do Sul, defendia a ideia de que um formigueiro (ou um enxame) pode ser considerado um único ser vivo, em que cada formiga (ou abelha) é uma célula. De modo idêntico, penso na maldade como um vasto animal disperso pelo mundo, composto por pessoas, como os formigueiros são compostos por formigas. Não se conhecendo todas se conhecem, actuam em conjunto, movem-se numa mesma direção (p. 154).
Há tantos livros a ler, não sei o que faço. Tenho dúvidas, quero terminar alguns que comecei e não o fiz porque não me animaram. O que vocês fazem com livros que não atraem? Eu fico triste porque não querer terminá-los. Assim foi com Oreo, de Franz Ross. Ótimas resenhas, mas o livro não me desce. Escrita que não consegui ir com a cara, nem de cara nem deixando para depois. Tentarei, novamente, prometo. O que vocês fazem?
Há um outro, esse não é ruim, mas por ser enorme, preciso ler em casa, pesado demais para levar para lá e para cá. Acabei não conseguindo me concentrar nele. Taí, bom momento para retomar. Breve História de Sete Assassinatos, de Marlon James. Esse muito muito muito bom, indicação de um exnamorado, na última vez que o vi nessa vida. Não, a gente não é de mal, até escrevi umas coisas lembrando dele pouco tempo atrás.
Amo minha mãe por me ensinar a ler.
Ali, em cima da cadeira, do lado da cama, esperam-me três livros que devoro aos poucos, por serem de poesia (Sangue Negro de Noémia de Souza), quadrinhos (Angola Janga, de Marcelo de Salete) e um teórico (Pensamento Feminista Negro, de Patricia Hill Collins). Não quero que acabem, como não quero que acabe o mundo. Mas, por via das dúvidas, enquanto não acaba o mundo, darei cabo destes, tenho uma pilha a esperar-me na estante. Jurei a mim mesma não comprar mais livros enquanto não acaba a pilha mas, logo penso, se não comprar, não terei mais pilha e sem pilha, não terei nada a desafiar-me o tempo, assim, entro numa livraria virtual e compro mais alguns agora, aqui, já.
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