No último fim de semana, voltei para um amor antigo. Há exatos 13 anos eu o larguei, porque achei que era pesado dividi-lo com um outro amor que o rondava. O dinheiro estava seduzindo-o por demais, achei que não ia vencer essa briga.
Em 1998, o Brasil perdeu a Copa do Mundo para a França e eu me separei do futebol. Aquilo foi difícil para mim, difícil demais. Uma derrota que mexeu muito comigo, talvez uma das poucas coisas que mais me deixaram pra baixo assim, que me fizeram mudar radicalmente de opinião.
Segui a vida. Vez por outra, dava uma olhada muito por cima sobre o que estava rolando no futebol. Nunca conseguia jogar fora o caderno de esportes do jornal que assino, passava o olho por cima e fingia que aquelas coisas todas não me afetavam.
Porque futebol sempre me animou, sempre me deixou acesa. Eu adorava acompanhar os jogos e os bastidores, dar pitaco nas formações em campo, no técnico, na vida de todas as pessoas envolvidas. Isso começou com o Brasil ganhando a Copa do Mundo de 1994, eu tinha com catorze anos. Escrevi e comentei todos os jogos numa agenda que ainda existe, guardada num baú de madeira lá em Salvador. Desenhava as posições dos jogadores, comentava sobre as jogadas, fazia previsões. Depois disso, continuei acompanhando os outros torneios nacionais e comecei a prestar mais atenção no meu time, Vitória. Descobri para que serviam as divisões de base, fiquei de olho em quais delas supriam os jogadores dos times do Sul.
No tempo em que fiquei longe, eu sentia as coisas piorando, senti que tinha realmente perdido. O dinheiro, aquele amante, tornou-se mulher oficial do futebol, numa cerimônia aberta, transmitida ao vivo, ao meio-dia, por todas as televisões do mundo. É ela, a grana, bufunfa, quem ostenta a aliança de ouro na mão esquerda. O futebol, numa atitude comportada, rendeu-se. Sabia que para continuar vivo, respirando aqui e ali, encontrando jogadores interessados nele, tinha que fazer conchavos dos mais vis. Mas, eu, mulher fiel, devota ao esporte coletivo e solidário, de novo, não consegui suportar.
Refugiei-me em outras bandas. Fui ver basquete, vôlei, natação, e até boxe. Nada me apetecia como aquela coisa frenética atrás de uma rechonchuda, um esporte-arte que nunca pode ser previsível, mesmo casado com uma mulher tão cruel e prepotente. Não, ele não saía de minha cabeça. Tive sonhos, pesadelos também. Em alguns deles, o futebol me cantava um samba-canção. Eu quase me entregava.
Os momentos mais cruciais eram aqueles em que, numa roda de amigos e amigas, começavam a falar dele. Eu teimava em não participar, ou soltava frases idiotas como "O futebol se vendeu". Ciúme puro. Ciúme do mais puro fel da traição. Nestas rodas de conversa, eu me sentia muito triste por não poder participar mais ativamente, por ver pessoas nem tão devotas assim saberem mais do que eu sobre ele, por não saber mais em quais times os jogadores em questão tinham jogado, quais eram suas fraquezas e quais os seus pontos fortes. Não sabia mais quem tinha sido o último campeão brasileiro e quem teria sido o primeiro a ganhar a Libertadores da América. Isso acabava comigo. Às vezes eu mentia (eu minto muito bem) que sabia sobre o que estava falando, noutras fazia todo mundo mudar de assunto ou simplesmente fugia.
Além destas rodas de conversas, tinha minha mãe. Ela continuava acompanhando o futebol como sempre, como antes. Sabia as escalações e ouvia pelo rádio, jogos da série B e C do Campeonato Brasileiro. Mas, como uma boa mãe, não entrava em detalhes comigo, respeitando minha dor. Mas doía ouvi-la ao telefone com seu namorado comentando o jogo de domingo ou dizendo a mim que havia passado a tarde bebemorando alguma vitória. Dores.
Passaram-se treze anos. As coisas mudaram. Mas, o que me mudou mesmo foram duas coisas que aconteceram no mesmo fim de semana: no caderno de esportes do jornal que assino, li a história de Romarinho. Li também sobre Mario Balotelli. Textos muito bons, onde aparecem questões muito caras a mim atualmente, a saber, classe e racismo. E teve também a ImpedCopa.
Convidada por um amigo, parti de São Paulo para Porto Alegre para ver um torneio de futebol iniciado/fomentado/incentivado pela Internet, com os leitores de um site chamado Impedimento. Ideia boa por si só. Não precisaria de mais nada para ser perfeita. Mas, além disso, tinha também o costelão de doze horas e as pessoas. Ah, as pessoas. Homens que estavam ali pra jogar futebol (e para tantas outras coisas, coisa que aprendi também, futebol é bom justamente porque nunca é só futebol). Disse pessoalmente a um dos organizadores da coisa toda, Douglas Ceconello,da minha admiração pelo evento. Disse também uma bobagem do tipo "Porque a grande mídia não fala disso?". E seu Rudy (não sei se escreve assim, ajudem-me),churrasqueiro oficial da parada, completou: "Quando a mídia grande souber, isso aqui acaba".
E então, como num passe de mágica, entendi tudo. Entendi como eu poderia manter vivo o meu incontrolável amor pelo futebol. Não, eu não queria aceitar isso, desde o começo. Minha "moral de jegue" não me deixava ver que, para ficar perto do futebol, todos aqueles homens tornaram-se amantes dele. "Os outros". E eu, eu era mulher demais para aceitar isso sem reclamar. Passei treze longos anos para entender essa coisa de ser a outra, a amante que, na verdade, é quem mantém seu amor de pé. Folhetim de quinta? Danem-se. Não dizem por aí que amor é isso? Baden Powell com Vinicius de Moraes escreveram "Amor só é bom se doer". Talvez ele estivesse falando de futebol. Vai saber. A verdade é que eu voltei.
E, sem nenhuma mágoa, ele me aceitou novamente, a tempo da final da Libertadores 2012. Me preparei para ver o jogo. Afinal, era um encontro depois de treze anos! Lá estava eu, pronta, disposta. E o futebol me presenteou com a presença de Emerson no jogo, jogando o mesmo futebol que eu sempre admirei. Aliás, o Corinthians jogou bem, mereceu o título (e não, eu não sou corinthiana. Mas tenho verdadeira admiração por torcidas, esse ajuntamento de gente e homens).
E aqui, vejam vocês, começa a minha história de amor com o futebol. Porque, como canta minha querida Beyoncè Knowles, "tudo que vai, volta".
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