Passando ali na rua de carro uma menina negra de cabelo trançado andando de bicicleta me deu língua. Ela não viu, mas depois que passei por ela com minha cara de surpresa, eu só consegui sorrir. Quem dá língua nos dias de hoje? Ninguém mais.
As crianças precisam ter "bons modos", se comportar. Já imaginaram onde as crianças guardam a raiva que sentem, a inveja ou a tristeza? Uma língua mostrada no meio da rua pode ajudar a melhorar o dia. Depois fiquei pensando: apesar de achá-la muito corajosa, ela foi muito prudente também. Deu língua para alguém que não faz parte de seu ciclo de relações próximas, ou seja, isso porque para que eu parasse o carro e fosse até à casa dela reclamar com a mãe de uma língua dada, só se eu estivesse muito, mas muito chateada mesmo (e sem nada para fazer). E, ainda assim, a reclamação seria bem menor do que se ela tivesse dado língua para a tia ou a avó. Melhor impossível.
Coragem e prudência, não sei em que ordem.
Mas o que ficou em mim daquela imagem foi a coragem de uma menina negra me dar língua - meio sorrindo com o desenho da boca - no meio da rua, brincando com os(as) colegas - mais meninos que meninas, eu vi - de várias idades que eu só pude sorrir. E sorrindo estou só de lembrar da cena.
Depois desse dia, procuro por ela, para devolver-lhe a língua mostrada, mas ainda não a vi. Queria dar a certeza para ela que, se ela continuar com essa sabedoria toda, ela pode se tornar uma adulta corajosa igual a mim, que devolvo língua mostrada para criança sem pudor algum.
Quem dera eu tenha coragem de mostrar a língua de novo para qualquer coisa, um dia, assim como ela.
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