Cheguei em casa e uma encomenda me esperava. Eu já sabia dela, mas era para mim como aquelas surpresas que você não quer lembrar para não ansiar, guardei a informação num lugar escondido para que quando visse o pacote a surpresa voltasse, vontade de abrir rápido e coração animado, como será, de que tamanho, será que vai servir?
Eu fiz um amigo especial nos meses em que passei no Porto. Dividimos a casa e alguns dos nossos problemas como estrangeiros em Portugal. Ele também cozinhou para mim certa vez e adorava pão quente de uma padaria perto.
Ele me pediu minhas medidas e disse que me mandaria um vestido direto de Moçambique assim que voltasse de lá para Portugal. Assim fez. Incluiu no presente pedir a uma brasileira de volta ao Brasil que me mandasse assim que aqui chegasse. E assim ela fez.
Vesti o vestido assim que abri o pacote, frenética. O tecido era lindo e o modelo era do jeito que eu havia encomendado. Quando me olhei no espelho, lágrimas me vieram aos olhos. Não sei explicar, mas vou tentar.
Olhei-me no espelho e me vi menina, de pé no chão e vestido rodado. Me vi em Moçambique, milhares de anos atrás, mas ainda hoje, se lá estivesse. Aquele vestido conectou-me com o que de mim às vezes perco, quando tenho de fazer o que não quero ou quando me mandam fazer o que não devo, quando preciso calar quando deveria gritar, me fez de novo só uma menina de vestido com pé no chão, pé na terra, indo comprar pães na venda ao lado de casa, demorando-me ao conversar com a vizinha ou olhando formigas andando em fila levando folhas à frente de casa.
Chorei, fiquei emocionada. Não entendi direito, mas assim me senti. E, só por isso, tudo que Aurélio (e Marília!!) fez para que esse vestido chegasse até mim já valeu a pena. Sim, sou mesmo a menina mais feliz do mundo.
Passei horas a rodar em casa com o vestido e os pés no chão, até que fui à venda como uma pequena rainha e as pessoas me olharam a estranhar, um vestido tão lindo e eu ali, de pé no chão indo comprar umas batatas com ele, como assim? Não sei, não precisei explicar. Só queria prolongar o tempo em que fui eu mesma, vestindo algo que fazia minha identidade e humanidade saltar aos olhos das pessoas.